Resistências Negras: Monique Oliveira
- commovimentouff
- 27 de jul. de 2020
- 5 min de leitura
Mestranda do Emerge fala sobre sua pesquisa com parlamentares negras, visibilidade e sua trajetória até a pós-graduação.

Por Manuela Amaral
Escrevivência. Esse termo cunhado pela escritora mineira Conceição Evaristo, fala sobre como o processo de escrita de mulheres negras está permeada por suas próprias vivências, sem que haja um afastamento de sua vivência da sua escrita. Este termo foi popularizado, e hoje é muito utilizado por outras muitas mulheres negras que fazem da escrita seu ofício. Parece que esse é o caso de Monique Oliveira, mestranda do PPGMC e do Emerge.
Quando tive o primeiro contato com Monique ela me disse que seu processo de “escrevivência” estava fluindo super bem para sua qualificação, que ocorreu poucas semanas depois do nosso papo. Essa palavra logo me chamou atenção, e assim que a gente fez essa entrevista já questionei a ela sobre a utilização dessa palavra. Ela contou que conheceu essa ideia a partir de sua orientadora, a professora Andrea Medrado: “Ela (Andrea) é uma mulher branca mas é extremamente sensível com a minha realidade e do povo preto, indígena e favelado. Ela está muito conectada com essas questões. Em relação a isso ela me auxilia na parte da escrita. Ela que propôs da gente trazer uma escrita para valorizar minha bagagem quanto mulher negra. E quando ela fala isso, eu pensei ‘caramba vou escrever sobre mim’. A Andrea estimulou algo muito natural meu, a escrevivência”.
No parlamento ou na acadêmia, furamos bolhas
Monique pesquisa em sua dissertação as redes sociais de parlamentares negras que foram eleitas em 2018, que popularmente foram chamadas de “sementes de Mariele”. Ela tenta compreender como as redes sociais podem ser instrumento de visibilidade para o trabalho dessas parlamentares. “Nesse estudo da utilização das redes sociais por essa mulheres negras parlamentares, vejo como essas redes são utilizadas para ampliar, ao mesmo tempo como instrumento de segurança, porque a visibilidade pode dar mais segurança. Vemos a resultado como instrumento que pode dar amplitude, como um megafone para essas mulheres como possibilidade de furar bolhas”, explica.
A ideia de estudar parlamentares negras não estava inicialmente colocada no início do mestrado. O novo recorte veio a partir do momento que ela soube da notícia que a deputada estadual pelo PSOL, Renata Souza, poderia ter seu mandato cassado, quando como Presidente da Comissão de Direitos Humanos da ALERJ, denunciou o governador do estado a Suprema Corte Internacional de Direitos Humanos. Esta noticia deixou Monique muito assustada, e isso teve relação direta com a mudança do tema. “Inicialmente eu ia estudar as youtubers negras e a estética posta ali. Mas quando eu vi, em 2019, a notícia que o mandato da Renata Souza poderia ser cassado, por causa da denúncia que ela fez sobre o governador, eu fiquei em desespero, eu tive muito medo. Eu já vinha acompanhando muito as deputadas nas redes sociais. E quando vi a notícia, eu remeti aquela violência com o assassinato da Marielle. Daí resolvi mudar meu tema, porque aquela coisa do medo estava me afetando”, conta.
Com isso, questionei sobre se podemos fazer um paralelo entre o espaço do parlamento e da acadêmia. Ambos, parecem não serem espaços que naturalmente mulheres negras ocupariam. “Curiosamente é uma boa relação que a gente faz. Assim como o parlamento é um lugar hostil, a academia também é um espaço muito hostil. Só que minha trajetória de vida fez eu chegar na academia já com uma trajetória que já furava bolhas. Eu sou cria do Morro da Mangueira, já trabalho no mercado há muitos anos. E no mercado é ‘viver ou viver’. Você tem que estar o tempo todo se adaptando e se readequando para garantir minimamente seu emprego. Então eu chego agora com 30 anos na academia e já não tô mais tão vulnerável”, aponta.
Do Morro da Mangueira à Londres
Furar bolhas foi uma das coisas que Monique mais fez até aqui. Cria da Mangueira, sonhou aos 13 anos em trabalhar com comunicação, quando fazia uma pesquisa no morro recolhendo histórias de moradores para um projeto de uma associação cultura. Porém, logo com 14 anos ela já começou a trabalhar como “jovem aprendiz” em uma produtora: “Lá eu fazia de tudo. Fui recepcionista e telefonista nos primeiros anos e depois comecei a fazer outros trabalhos, com produção de show, nos filmes, ajudando no administrativo. Até que me estabeleço trabalhando no financeiro dessa produtora”.
Junto com o trabalho ela começou uma graduação em Relações Públicas, na Faculdades Integradas Hélio Alonso (Facha), fazendo parte da primeira turma do Prouni da Faculdade. “Sou resultado de políticas afirmativas. Pensa numa política afirmativa sou eu, Monique”, comentou rindo. Apesar de ter feito graduação na área da comunicação, que era um sonho para Monique, ela não conseguiu se envolver tanto com a faculdade e não trabalhou na área. “Nesse momento estou trabalhando e estudando. E minha renda já era maior do que da minha mãe, e eu complementava a renda aqui de casa. Então abrir mão daquela renda em certo momento para fazer um estágio e ganhar muito menos era muito arriscado, porque minha família precisava daquela renda. Então eu estava estudando quase no mecânico, porque essa coisa de trabalhar muito e estudar, a balança fica desequilibrada”, relembra.
Alguns anos se passaram até que Monique voltasse a lembrar de seu sonho de trabalhar com comunicação, e resolveu buscar outras oportunidades, como a pós graduação: “Até hoje eu faço trabalhos administrativos, mas aí minha identidade me cobrou. Eu comecei a questionar qual era razão da minha vida, se eu vou continuar sendo cooptada por essa lógica do trabalho. A gente precisa do trabalho, mas aí eu começo a resgatar aquela criança
que sonhava que queria fazer comunicação, uma criança que a partir de um projeto sociocultural sonhou com outras possibilidades. Fiquei pensando como outras crianças do morro podem sonhar com outra realidade que não a que está posta. Com esses questionamentos eu chego no mestrado”.

Foi a partir da entrada na pós-graduação, que a mestranda teve uma das experiências mais interessantes de sua carreira. Monique apresentou um artigo sobre sua pesquisa em um evento do International Association for Media and Communication Research (IAMCR), em Londres. Ela, que já estudava inglês, mas não se considera fluente, treinou bastante para a apresentação, juntou todo dinheiro que tinha guardado e foi. “Foi uma experiência que eu com essa pele retinta, negra, do morro da mangueira, apresentando trabalho em Londres. Quando eu chego em Londres percebo que eu era uma mulher da gente, negra', falando sobre nossas dores, nossa questões. E isso na Europa. Fiquei muito contente, me senti muito realizada”, contou.
Com todo essa vivência, volto a questionar sobre seu tema de pesquisa e sua vida. Assim como as parlamentares que estuda, Monique furou bolhas e parece querer furar mais tantas outras. Como tantas outras mulheres negras que insistem em permanecer e ocupar espaços que socialmente são negados às pessoas negras. Quando pergunto se a academia
também pode ser considerado um espaço de visibilidade e ‘megafone’ para mulheres negras, ela concorda com minha afirmação, e completa: "É essencial que todos espaços sejam múltiplos e diversos. A academia, o parlamento, a economia, o direito, todos os espaços. E a gente tem que ocupar esses espaços podendo falar, tendo visibilidade, com a
nossa voz ativa, colocando nossas questões e nossas pautas”.
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