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Rádios Comunitárias: Vez e Voz

Veículos lutam para sobreviver em meio a dificuldades financeiras e legais

Por Thaís Gesteira



As rádios comunitárias surgiram no Brasil com o desejo de expor uma vertente diferente dos demais meios de comunicação hegemônicos, que pouco ou nada representam as comunidades. Neste sentido, a jornalista e historiadora Claudia Santiago afirma que “as rádios comunitárias desde a sua criação, desenvolvem uma importante luta pelos direitos sociais e por uma comunicação contra hegemônica. Desde a Ditadura civil-militar no Brasil até os dias de hoje, as rádios comunitárias ao invés de silenciar e omitir, apresentam várias formas de luta e resistência que compõe a história dos trabalhadores”.

A falta de um canal para que os moradores de comunidades expressem suas vozes e pautas constitui a retirada do caráter de cidadão ativo no funcionamento social, uma vez que estes são privados de expor suas realidades dentro de um contexto maior da cidade. Esta exclusão acaba por deixá-los reféns de informações advindas de contextos externos ao que vivem. As rádios comunitárias são construídas, então, como canais de comunicação, sem fins lucrativos, pelos quais são transmitidas coletivamente informações de interesse público para a população, desempenhando um papel importante na conscientização e mobilização social dos habitantes da comunidade na qual está inserida – na maioria das vezes, empobrecida e criminalizada socialmente. Ou seja, um espaço de luta pelo direito à comunicação. Um exercício prático de liberdade de expressão e empoderamento, que muitas vezes só consegue existir na ilegalidade.

Por questões históricas, as comunidades – iniciadas por escravos recém-libertos – sempre concentraram olhares estereotipados. Ao contrário do que é mostrado na mídia hegemônica, neste ambiente surgem diversos trabalhos culturais, econômicos e políticos. Neste sentido, a comunicação comunitária é utilizada para difundir tais feitos e fortalecer os territórios.


Para o professor Marcus Aurélio, do departamento de Comunicação Social da Universidade Federal Fluminense “Uma rádio verdadeiramente comunitária é aquela que se faz democrática na vez e na voz”, afirma o professor. De acordo com ele, a vez diz respeito à possibilidade de todos participarem da gestão do canal e a voz ao envolvimento geral de quem faz e ouve a rádio. Ou seja, independente de política, religião, etnia e qualquer outro parâmetro que cause disputas, é um espaço para que todos tenham o direito de se expressar.



As primeiras rádios comunitárias – Meia Ponte, em Goiás, e Novos Rumos, no Rio de Janeiro, datam a década de 1990. Elas simbolizam a ascensão dos movimentos sociais para a comunicação de massa. Entretanto, somente em 1998 a Lei 9.612 instituiu a desmarginalização das rádios, passando a conseguir aval jurídico para sua atuação. Atualmente, são quase 5 mil rádios comunitárias autorizadas, mas muitas ainda permanecem na ilegalidade.

O trabalho para manter uma rádio comunitária é árduo. O alcance destas é limitado ao raio de um quilômetro de distância, o que dificulta que toda a comunidade – por vezes maiores do que bairros - consiga ouvir as notícias transmitidas. Além disso, muitos comunicadores são ameaçados e calados por tocarem em temas ditos delicados. Outro dificultador é o próprio governo que não as reconhece e nem concede aparatos legais para que atuem.


No entanto, quem acredita no poder transformador de difundir a informação costuma manter-se firme no propósito, ainda que não seja um trabalho glamoroso. De acordo com a professora Cicilia Peruzzo, os comunicadores comunitários “constroem uma visibilidade midiática que subverte a “ordem” de ocupação de espaço na mídia por celebridades. Não se trata de aparição pública em busca de alguns “minutos de fama”, mas de uma participação política, uma vontade de interferir para a ampliação da qualidade da cidadania, para a circulação de ideias dissonantes das dominantes e para a transformação social”.


Legislação

No Brasil, ainda é muito difícil fazer comunicação contra hegemônica. O conservadorismo e a dominação capitalista dificultam a ação das rádios comunitárias nas favelas, uma vez que estas são um ato de cidadania e luta. A lei também não ajuda no processo de legalização, fazendo com que muitas sejam fechadas ou não consigam aval, vivendo como podem para continuar servindo à população. Entretanto, cada vez mais as rádios buscam vez e voz, a fim de contribuírem para a redução da desigualdade social.


Nascida no Movimento de Educação de Base, as rádios comunitárias surgiram de forma pirata, nos anos 50. Em 1998, uma lei foi criada para desmarginalizá-las. No entanto, em vez de facilitar o trabalho dos comunicadores comunitários, a legislação apenas serviu para colocar muitos obstáculos no funcionamento das rádios, com restrições que limitam o espectro, o alcance e a potência desse importante meio de comunicação.


Antes da promulgação da legislação, havia cerca de 30 mil rádios comunitárias no Brasil. Hoje, 22 anos depois da criação de uma lei que não foi revista, muitas rádios seguem na clandestinidade e muitas vozes são silenciadas.


De acordo com dados da Associação Mundial de Rádios Comunitárias, estima-se que existam entre 10 e 12 mil, sendo apenas 4,5 mil autorizadas a funcionar. A organização calcula ainda que cerca de 700 rádios não outorgadas são fechadas por ano.



Rádio Grande Tijuca

A Rádio Grande Tijuca, localizada na comunidade do Borel, Zona Norte do Rio de Janeiro, é um exemplo de crença no poder transformador e de luta pela legalização. Fundada em 17 de dezembro de 2001, sobrevive, até hoje, clandestinamente, pois, desde a criação da lei das rádios comunitárias, não obtiveram nenhuma resposta do Ministério das Comunicações. Quem comanda a rádio é Miramar Castilho, um homem que vive para manter a rádio aberta e é apaixonado pelo que faz. Apesar de não possuir formação em jornalismo, em suas palavras, ele aprendeu tudo “na marra’’. Miramar conta com a ajuda de Igor Soares, que é estudante de comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro e desde seus 11 anos auxilia na manutenção e participação efetiva da rádio. A rádio é bem plural na programação, toca todos os estilos de músicas e atende aos pedidos dos ouvintes ao vivo.


Um episódio marcante na existência da rádio foi quando a UPP chegou à comunidade do Borel. Em meio a muitas reclamações de abuso de poder do estado e violação dos direitos humanos por parte dos moradores, a rádio resolveu convidar pessoas para discutir sobre o tema. Um desses debates que promoveram foi a respeito da implementação pela polícia do toque de recolher na comunidade. Mediante essas discussões, eles mobilizaram moradores para manifestações contra o toque. A Secretaria de Segurança do Rio questionou Miramar e Igor sobre o porquê de eles não terem chamado algum representante do Estado para o debate.


“A gente tem um lado, a gente tem uma posição, a gente não é imparcial. Imparcialidade não existe em comunicação comunitária. E esse lado é o lado da comunidade, o lado daquilo que a gente se propôs a fazer”, relata Igor.


Confira a história da Rádio Grande Tijuca em vídeo-depoimento de Miramar Castilho e Igor Soares:




Colaborou: Raíssa Testahy


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