Jaqueline Suarez: da favela ao mestrado
- commovimentouff
- 24 de abr. de 2021
- 5 min de leitura
Jornalista e mestranda do PPGMC-UFF fala sobre sua trajetória acadêmica e das experiências marcantes de sua pesquisa sobre comunicação independente

Jaqueline Suarez é jornalista e mestranda do PPGMC-UFF / Foto: Divulgação
Isabella Mello e Pâmela Dias
“Chacina, guerra de facções e morte”. Essas são algumas palavras encontradas no Google quando procura-se pela ‘comunidade do Fallet', localizada no Rio Comprido, bairro da região central do Rio de Janeiro. Apesar de ser um local marcado por desigualdades e violência, foi de lá que a jornalista e mestranda do Programa de Pós-Graduação em Mídia e Cotidiano da Universidade Federal Fluminense (PPGMC-UFF), Jaqueline Suarez, descobriu o desejo de mergulhar em pautas sociais e estudar um fenômeno em importante ascensão no país: a comunicação alternativa.
Aos 27 anos, Jaqueline já carrega um extenso repertório de histórias contadas sob uma visão que a mídia hegemônica persiste, na maioria das vezes, em esconder, que é retratar as conquistas e dificuldades enfrentadas diariamente por pessoas em situação de vulnerabilidade social. Segundo ela, sua escolha pelo jornalismo foi incentivo de um professor de redação que elogiava o que ela escrevia e a ajudava a aprimorar seus dons.
— Ele teve um olhar mais específico para mim, e isso foi um exemplo de extrema importância em tempos de individualidade — conta.
Formada pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), o contato da jornalista com artigos e textos acadêmicos começou já na graduação. Em sua visão, dentro das universidades, os alunos têm dificuldade em conhecer o ambiente acadêmico e isso impossibilita a formação de novos pesquisadores, impedindo, consequentemente, que conhecimentos de qualidade cheguem à sociedade. A mestranda ressalta ainda que esta outra vertente de atuação, que se diferencia do mercado de trabalho, acaba sendo desvalorizada por não ser apresentado aos discentes o quê e como é produzir ciência na área da comunicação.
— Quando eu estava na graduação foi muito importante olhar para um docente, olhar para um professor e ver que ele teve uma origem semelhante e, de certa forma, me reconhecer. Eu tive uma professora que chegou num curso de comunicação popular que eu fazia e falou: ‘eu sou favelada, eu sou do Complexo do Alemão’. E ver a trajetória dela na graduação, foi muito relevante — explica.
O desejo por desbravar a comunicação independente
Atualmente, Jaqueline trilha simultaneamente suas duas paixões: é jornalista freelancer e pesquisadora, pois, segundo ela, um complementa o outro. O início de seus estudos sobre comunicação independente se iniciou em um trabalho de faculdade, ao criar um livro-reportagem a respeito das coberturas jornalísticas dos meios de comunicação e mídias independentes durante as manifestações entre maio de 2017 e junho de 2018.
— Eu passei um ano e meio frequentando manifestações, almoçando e andando com as pessoas que faziam acontecer os movimentos e isso me despertou ainda o interesse pela comunicação independente, pois eles mostravam o lado que a mídia hegemônica não mostrava — diz.
Desde que ingressou no mestrado, em 2019, Jaqueline teve grandes conquistas acadêmicas e uma das mais especiais foi ser uma das 50 estudantes de pós-graduação da América Latina selecionadas para um curso de verão da Associação Latino Americana de Investigadores de Comunicação (Alaic). O estudo foi realizado em Lima, no Peru, e teve como objetivo aperfeiçoar as pesquisas acadêmicas que estão em desenvolvimento por doutorandos e mestrandos, para qualificá-los e ajudá-los a promover um ambiente cooperativo e internacional.
— Eu viajei pela primeira vez para o Peru e tive inúmeros ganhos para minha pesquisa. Conhecer culturas, idiomas e lugares me ajudou a diversificar e entender os diferentes tipos de comunicação — aponta.

Jaqueline Suarez em sua experiência de Colônia de Verão, no Peru l Foto: Divulgação
Após toda essa bagagem, Jaqueline decidiu dedicar sua tese de mestrado para analisar os grupos de mídia independente de São Paulo, que, segundo ela, foram bastante prejudicados com a pandemia da Covid-19. Ao explicar sobre o que a pesquisa retrata, a jornalista ressalta a importância de se definir “imprensa independente”.
— A mídia independente tem autonomia em alguns pontos. No Brasil, a mídia hegemônica é muito ligada ao comércio e empresas que possuem interesses políticos e econômicos por parte dos acionistas. Na contramão, a mídia independente tenta contrapor essa ideia e busca formas diferentes de se financiar. Elas são diversas e nem sempre a vertente de pensamento é a mesma. E isso também significa dizer que não é uma mídia que não tem um lado — explica.
Ao relatar a particularidade desses veículos, Jaqueline ressalta que o jornalismo é subjetivo e cada linha editorial dá diferentes angulações a um mesmo tema. Nadando contra as narrativas da grande imprensa, que retrata jovens negros como bandidos e privilegiam os problemas das classes mais abastadas, a mestranda acredita que a mídia independente tem o papel de mostrar o ponto de vista das minorias.
Os desafios da pesquisa durante a pandemia
Há dois anos no mestrado, este mês de março seria o período em que Jaqueline defenderia sua tese à uma banca de professores e, enfim, receberia seu título de Mestre. No entanto, devido à sua pesquisa ser voltada a estudar os coletivos de outro estado e ser totalmente voltada à uma análise de campo, os planos precisaram ser remanejados.
— Eu teria que ir para São Paulo, acompanhar os coletivos, fazer observação, mas veio a pandemia e eu tive que reestruturar a parte metodológica da pesquisa. Por conta disso, eu defenderei a minha tese em maio — explica.
Ao recordar suas vivências no mestrado, a jornalista aponta que a mais marcante de todas foi a de ter a oportunidade de fazer estágio docência. Essa experiência caracteriza-se como um conjunto de atividades realizadas pelo aluno, que estão diretamente relacionadas à prática como professor nos programas de pós-graduação. Segundo ela, um dos maiores aprendizados obtidos foi poder conhecer o futuro caminho que pretende percorrer como docente e ainda dividir as alegrias e angústias do ofício como jornalista com os graduandos.
— A minha experiência mais genial foi o estágio docência com os alunos de graduação, porque de certa forma é uma prévia do meu objetivo final, que é dar aula. E para além das disciplinas, recebia e dividia muita angústia deles, partindo de perguntas como ‘será que existe espaço hoje para um jornalismo humanizado?’, ‘será que vou conseguir fazer as coisas que eu realizo dentro da profissão?' — conta.
— Nesta posição de quase professora, de certa forma, eu estou ali falando também: ‘olha, eu venho de uma família muito pobre, eu venho de favela, eu estou no mestrado, eu concluí a graduação’. Estou falando para alguns alunos dali que é possível — finaliza.
Para sedimentar esta realidade de incertezas, Jaqueline cita um dos pensamentos do professor e filósofo brasileiro Paulo Freire, que consiste em usar a educação como ferramenta de transformação. E o conselho da jornalista é simples: não esconda seus trabalhos acadêmicos na gaveta, tenha sempre um olhar humano e não aprisione seus conhecimentos, pois eles são essenciais para modificar o jornalismo, a comunicação e o mundo.
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