Políticas públicas de participação social não incluem área da Comunicação
- Emerge UFF
- 29 de mai.
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Encontro em Brasília debateu desmonte e reconstrução dos mecanismos de participação pelo governo federal

Por: Akemi Nitahara - Doutoranda do PPGMC/UFF e integrante do Emerge
Brasília recebeu, entre os dias 6 e 9 de maio de 2025, o VI Encontro Internacional Participação, Democracia e Políticas Públicas. Apesar de ser um encontro basicamente da área de Ciências Políticas, fui aceita para apresentar o trabalho “Participação social no serviço público de mídia brasileiro: a experiência institucional e ativista na EBC”. Uma spin-off da minha pesquisa de doutorado, que trata da participação social institucional na comunicação pública da América Latina.
Os debates foram muito ricos e mostraram de forma contundente a importância da participação social na construção das políticas públicas e para a democracia. Bem como o processo de desmonte dessas políticas e a interdição da participação popular em determinados governos. Porém, em nenhuma mesa expositiva foi tratada a área da comunicação. Nem a participação social no Serviço Público de Mídia, um fundamento da comunicação pública; nem a construção democrática das políticas públicas do setor, que requer diálogo com a sociedade civil. Mesmo o evento contando com representantes da Secretaria-Geral e da Secretaria de Comunicação da Presidência da República.
Abertura
Na Mesa de Abertura, a secretária-executiva da Secretaria-Geral da Presidência da República, Kelli Mafort, responsável pela área de participação social no governo, destacou que a gestação das políticas participativas começou ainda na transição de governo, em 13 de dezembro de 2022, após a diplomação da chapa vencedora Lula-Alckmin. Naquele 12 de dezembro, houve um ato terrorista em Brasília para impedir a posse, com incêndio de carros e depredação de ônibus.
“O ministro Márcio Macedo nos conduz nessa grande missão de reconstrução dos mecanismos de participação social, mas também nos provoca para que todos servidores e servidoras possam ajudar nesse processo de inovação que é tão necessário nesses tempos em que nossa democracia tem sido tão atacada”.
De acordo com ela, foram implementados canais de participação e diversidade em todos os ministérios, com exceção da Defesa, com a presença de assessores para coordenar o processo, tidos por ela como “importantes mecanismos perenes da democracia”. Mafort lembrou a importância da retomada, depois do período em que os mecanismos foram destruídos.
“A tarefa principal é sim de reconstrução, é de entregas, é de políticas públicas efetivas, inclusive fortalecendo a participação social. Mas nunca nos esqueçamos que a confrontação e a forma como nós encontramos esse país precisa sempre ser lembrada por todos e todas. Estejamos nós no governo, nas universidades, nos movimentos sociais ou nas ruas”.
Ela destacou, também, a formação do Conselho de Participação Social, conhecido como “Conselhão”, que reúne apenas pessoas da sociedade civil, para auxiliar o governo nas mais distintas áreas. Além da Plataforma Brasil Participativo, por meio da qual são feitas consultas públicas e conferências amplas, com acesso facilitado a todas as pessoas que têm uma conta gov.br. Bem como 60 colegiados retomados até o momento e o Plano Plurianual (PPA) Participativo, que “teve incidência muito grande da participação social digital”.
Palestras
Na palestra de abertura, “Sueños democráticos, pesadillas autoritarias: ¿quién promueve las instituciones participativas?”, a professora Yanina Welp, do Albert Hirschman Centre on Democracy, em Genebra, mostrou o ciclo participativo que ocorreu na América Latina nas primeiras décadas do milênio. De acordo com ela, “o Brasil é referência para o tema da participação cidadã”.
“Compartilhamos aqui a ideia de que a participação é boa, que é importante que uma democracia seja participativa. Mas temos, no debate público mais amplo, o eixo de discussão que vai em sentido contrário da nossa conversa. Por exemplo, no Brasil, muito rapidamente um governo de direita radical conseguiu desmontar uma parte do que se havia feito. Mas é muito mais complexo, visto de fora. Como isso aconteceu? Com tantos movimentos sociais?”
O segundo dia de atividades foi aberto pela mesa “Os Desafios da Participação: perspectivas e dilemas na América Latina”, na qual o professor Adrian Gurza Lavalle, da USP, destacou que a ditadura militar desordenou o sistema partidário no Brasil e que a participação é um fundamento da Constituição de 1988.
“O Brasil foi o laboratório continental nessa área e tomamos como parâmetro de comparação, para tratar de accountability e controle social. A participação no Brasil é unimodal e centrada na sociedade civil, não em cidadãos ou sindicatos. É orientada para políticas públicas, e não para o desenvolvimento local ou a democracia direta. E é estruturada em multinível, seguindo o modelo do federalismo tripartite. Todas as experiências compartilham essas características”.
A mesa “Desmonte de Políticas Públicas e mobilizações sociais no governo Bolsonaro” trouxe as experiências nas áreas de políticas para as mulheres, de igualdade racial e de reformas urbanas. A professora Michelle Morais, da Universidade de Oklahoma, sintetizou que os processos no período convergiram para um declínio democrático, assim como o desmonte intencional das políticas para impor as agendas da própria liderança.
“A gente se apega a esse conceito de desmonte de políticas públicas, que foi muito importante para boa parte dos nossos trabalhos, para servir de marco analítico para o que a gente estava observando. O conceito de desmonte surge na Europa para tentar explicar os programas de ajuste fiscal com o governo Thatcher, que não deram certo. Mas foi expandido para além das áreas sociais”.
De acordo com ela, a academia internacional precisa reconhecer a potência da pesquisa brasileira sobre desmonte de políticas públicas, que tem uma força empírica.
Presidência da República
No último dia do evento, a mesa “Repensando a arquitetura participativa no Brasil” contou com a Secretária Nacional de Diálogos Sociais e Articulação de Políticas Públicas da Presidência da República Kenarik Boujikian. De acordo com ela, o marco da participação social é a Constituição de 1988, que menciona a participação popular em vários artigos. Mas que tudo é um processo em construção.
“Além desse arcabouço e de todos esses artigos, essa não é uma luta que se acaba em um determinado momento, ela vai se construindo. Tem artigos posteriores a 88. É importante a gente lembrar que essa construção não significa só avanços, existem muitos retrocessos, e a gente viveu isso de forma muito recente. No primeiro dia do governo Bolsonaro, nós tivemos uma Medida Provisória que acabou com o Consea, é um ato muito simbólico, acabar com esse conselho que trabalha com o tema da alimentação, no primeiro dia. Era o eixo central de um governo e de uma determinada política, que foi desmantelada no primeiro dia de governo”.
A professora Debora Rezende de Almeida, da UnB, apresentou uma síntese das ações do governo Lula 3 na participação social. Segundo ela, foram recriados 26 colegiados, 19 tiveram a participação da sociedade civil ampliada e foram realizadas cinco conferências nacionais em 2023, com 21 previstas para 2025. De acordo com ela, houve a requalificação desses espaços deliberativos.
“É importante lembrar que houve sim um desmonte, mas a gente vinha de um cenário em que muitos dos espaços de participação já vinham mostrando seus limites. A bibliografia, a literatura, a academia vinham dizendo sobre os limites do público que inclui, a capacidade decisória desses espaços. Então, se vem um desmonte, principalmente a partir da Política Nacional de Participação Social em 2014, onde a política participativa passa a ser confrontada no legislativo, na mídia e no público, mas também existia um diagnóstico de que os espaços de participação foram relevantes como construtores de políticas públicas, mas também eles eram limitados em uma série de questões”.
Ela lembrou que os colegiados da área econômica foram poupados pelo governo Bolsonaro, principalmente os que contavam com a participação de atores econômicos, e não populares.
A última mesa, “Fronteiras Digitais: Tecnologia, Democracia e o Futuro da Participação Política”, teve a participação do Secretário de Políticas Digitais - SECOM/PR, João Brant. Ele destacou as ações de sua secretaria, como o auxílio na digitalização dos ministérios, regulação da inteligência artificial e debates sobre a regulamentação das plataformas digitais e responsabilização por conteúdos proibidos postados pelos usuários, como crimes e ameaças.
“A gente está vivendo uma mudança muito significativa, que passa pela sociabilidade, pela economia, pela produção e circulação de informação e cultura. No caso das redes sociais, está muito mobilizado por uma lógica de um modelo de negócio sustentado no engajamento. Ele organiza todo o resto, é a base para a definição dos algoritmos e pra definição de funcionamento das próprias redes. A gente está vivendo redes hiper imediatistas, com conteúdos muito curtos. De forma que tem uma mobilização de afetos, positivos ou negativos, e vai reduzindo o debate público de forma bastante preocupante”.
Brant também explicou que o governo tem feito ações para a educação midiática e o jornalismo inclusivo.
Os vídeos das palestras estão disponíveis na página do evento, assim como os trabalhos apresentados nos Seminários Temáticos: https://www.pdpp2025.sinteseeventos.com.br/site/cap
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