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De cartilha a carro de som: coletivos criam canais para informar sobre Covid-19 nas favelas

Atualizado: 24 de abr. de 2020

Ativistas orientam comunidades sobre prevenção e organizam arrecadação de alimentos e produtos de higiene



Por Pâmela Dias


Desde o surgimento das primeiras vítimas do novo coronavírus no Brasil, os coletivos populares elaboram estratégias de combate à doença nas periferias. Em um cenário no qual a ausência de assistência básica de saúde, água e alimentos se fazem presentes, a atuação de grupos comunitários de comunicação se torna essencial diante do grande potencial de contaminação do vírus. De acordo com pesquisa do Instituto Data Favela, cerca de 13,6 milhões de pessoas vivem em comunidades no Rio de Janeiro. Para dar assistência a todos, os comunicadores se dividem no processo de adaptar notícias e métodos de prevenção da Covid-19 a cada realidade, e ainda oferecer suporte alimentar e higiênico.


Neste período, pesquisadores, jornalistas e comunicadores populares elaboraram blogs para manter a população das favelas atualizadas sobre as notícias. O Núcleo Piratininga de Comunicação (NPC), por exemplo, criou o Diário da pandemia na periferia, que tem o objetivo de divulgar relatos do dia a dia de moradores de diferentes favelas fluminenses durante a pandemia. Para Cláudia Santiago, coordenadora do NPC e idealizadora do portal, o diário é a eternização de um momento social histórico, que pode ser fonte de novas políticas públicas e pesquisas para os comunicadores comunitários.


Nessas horas de crise, os grupos de comunicação das favelas são muito úteis porque já têm uma teia de pessoas que recebem informam deles e neles confiam. Além disso, podem circular pelas favelas e saber o que realmente está acontecendo. Então é de mão dupla. Leva aos moradores as orientações, informa à população como está a situação nas favelas e podem ser organizadores de campanhas de arrecadação de alimentos para os mais pobres. Eles são fundamentais para pressionar o governo para prestar ajuda a quem precisa Cláudia.

Para informar com eficiência, os blogs fazem uso de linguagem acessível, às vezes com usos de gírias e frases curtas, além de terem como redatores, em sua maioria, moradores de periferias. Este processo se dá a passos de “formiguinha”: os coletivos contam com a ajuda de pessoas influentes na comunidade, assim como investem na divulgação boca a boca, já que 70% da classe D e E não tem acesso a internet no Brasil, segundo dados da pesquisa TIC Domicílios 2017, divulgada pelo Comitê Gestor da Internet.



Campanhas de Comunicação nas periferias do Rio


O Portal Favelas é outro exemplo de site que surgiu no início da pandemia de coronavírus. Criado em parceria com o Centro de Estudos e Ações Solidárias da Maré (CEASM) e o Museu da Maré, o blog tem o objetivo de juntar forças entre moradores e coletivos da Maré, Complexo do Alemão, Mangueira, Jacarezinho e outras 12 favelas do entorno, para levar informações sobre o vírus e formas de preveni-lo. No entanto, os comunicadores atuantes têm enfrentado obstáculos no percurso. De acordo com Rumba Gabriel, ativista e idealizador do Portal Favelas, discursos como o do presidente Jair Bolsonaro, perpetuado na mídia hegemônica, tem causado efeito reverso nas orientações preventivas disseminadas nas favelas.


—Aqui no Jacarezinho tem muita gente na rua fazendo churrasco, igrejas querendo manter cultos para continuar arrecadando o dízimo e dizendo que com fé a gente se salva. Mas esquecem de dizer que “faça tua parte e a minha vos darei”, que é o que Deus fala - Rumba Gabriel, ativista

Tem muitas contra-informações e a galera não consegue compreender a veracidade da doença e os riscos que estão correndo, isso por falta de acesso à informação. Muitos vão na onda das autoridades, como o Bolsonaro que diz que é apenas uma “gripezinha” -, contou Rumba.


Nas campanhas de comunicação, os coletivos fazem uso de carro de som e faixas falando da importância de, quem puder, permanecer em casa, além da colagem de cartazes nos postes e grafites. Pelas mídias digitais, os grupos comunitários conseguem disparar vídeos de moradores relevantes com mensagens de prevenção, na intenção de gerar identificação entre o público. Segundo Carolina Vaz, jornalista e integrante do Portal Favelas, apesar do grande desafio, as coletivos trabalham com a narrativa de que as favelas são os únicos bairros mobilizados no combate à Covid-19.


Moradores da Maré fazem cartazes para informar a comunidade │ Foto: Facebook Maré Vive


Apesar de algumas favelas sofrerem com a falta de infraestrutura e possuírem uma arquitetura desfavorável, a gente tem conseguido quebrar o preconceito inicialmente disseminado de que, como os trabalhadores são das periferias, eles que iriam contaminar o restante da população. O que está acontecendo é que as favelas são os únicos bairros mobilizados para fazer a conscientização da população, muito mais do que os bairros ricos da Zona Sul explicou Carolina.



Comunicação preventiva em São Gonçalo


São Gonçalo é o segundo município do Estado com maior contingente populacional. Com pouco mais de um milhão de habitantes, a cidade conta com a ajuda de coletivos populares no combate ao novo coronavírus. Há três anos desempenhando projetos sociais com crianças no Complexo do Salgueiro, o Instituto Impacto teve que adaptar seu atendimento e criar mecanismos para conscientizar toda a população de uma das maiores favelas da cidade.


De acordo com Michael Jonas, diretor do instituto, a ação de conscientização no Salgueiro é realizada em duas frentes: cadastramento de moradores para recebimento de cestas básicas e materiais de higiene e entrega de cartilhas com medidas preventivas contra o vírus. Para reforçar as orientações técnicas e alertar a comunidade, o coletivo conta com colaboradores enfermeiros, que auxiliam nos atendimentos de saúde do local.


Instituto Impacto realiza doações na comunidade do Salgueiro - SG │ Foto: Arquivo Pessoal do Instituto Impacto


A gente tem feito ações emergenciais com entrega de cestas básicas e vaquinha para continuar comprando os alimentos. Nas cartilhas, a gente procurou fazer um material didático explicando o que é o coronavírus, quais os sintomas e como se prevenir, visando tanto o público infantil quanto os adultos. A gente tem um grande desafio, porque muitos moradores não estão levando a sério e falam ”a gente é forte, isso não vai pegar na gente” - contou Michael.


Atualmente, o Instituto Impacto está no processo de desenvolvimento de uma terceira ação, que visa, por exemplo, realizar cadastros de famílias do Salgueiro no Auxílio Emergencial do Governo. O objetivo do grupo é atender aos moradores que se encontram em situação de extrema vulnerabilidade social e não possuem acesso a computadores, celulares ou internet.




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