Dossiê - Direitos Humanos: Educação e Cultura no Samba
- commovimentouff
- 7 de jul. de 2023
- 4 min de leitura
Como os projetos sociais das escolas de samba atuam contra a exclusão e a desigualdade nas comunidades

Foto: Fabiano Rocha / Agência O Globo
Oriundas das comunidades, as escolas de samba sempre estiveram, ao longo da história do Carnaval, relacionadas com atividades sociais para o público que as compõem. Muito mais do que dar forma ao principal produto cultural e midiático de exportação do país, elas foram adquirindo um caráter de responsabilidade com o público que está ao seu redor. Afinal, a realidade recorrente dessas comunidades, fruto de desigualdades e exclusão, forma um cenário crônico e de profundas raízes sociais, principalmente com a consolidação desses espaços no pós-abolição e a ausência total de políticas públicas para a população à margem da sociedade.
Paulo da Portela, figura ilustre e fundamental para o desenvolvimento do Carnaval enquanto expoente cultural de identidade nacional, já se preocupava com diversas questões, como o respeito às mulheres, por exemplo, ainda nas décadas de 1920 e 1930. Sendo um dos personagens que mais lutou para mudar a imagem estereotipada e preconceituosa que a sociedade tinha sobre o sambista, ele já tinha consciência de que somente a cultura poderia acessibilizar a Educação para um público que crescia com seus direitos reduzidos perante as demais classes.
Nos anos 80 começam a surgir as primeiras iniciativas de institucionalizar as ações e projetos sociais das agremiações. Dentro desse cenário, dois projetos surgem como referências: o Instituto Beija-Flor e a Mangueira do Amanhã. Iniciado em 1980, o Instituto Beija-Flor tem mais de 40 mil jovens formados em seus projetos, impactando uma média de 1.500 famílias por ano*. São atividades nas áreas da Educação, Meio Ambiente, Esporte e Carnaval, com oficinas de costura, adereços e outras atividades relacionadas à confecção e produção dos desfiles para a população da cidade de Nilópolis.
A Mangueira do Amanhã surge logo em seguida, em 1987, como a escola de samba mirim da verde e rosa, onde até hoje participam crianças e jovens entre 07 e 17 anos. Ao ingressarem, vivenciam inúmeras oficinas e atividades culturais e esportivas ao longo do ano. Com a inauguração da Vila Olímpica da Mangueira no mesmo ano, vieram outros programas sociais, a exemplo do Camp Mangueira, com cursos profissionalizantes e direcionamento para oportunidades de trabalho, estágio e programas de aprendizagem.
O produtor cultural, pesquisador e locutor da Estação Primeira de Mangueira, Marcio Perrotta, destaca a importância desses projetos para a região: “A comunidade da Mangueira tem os problemas de todas as grandes favelas do Brasil. Cerca de 48.000 pessoas insistem em resistir. Inegavelmente, a escola de samba tem constante contribuição no processo de cidadania do seu povo e de quem procura seus cursos, suas parcerias com escolas, universidades e empresas. Os programas sociais e esportivos da Vila Olímpica são reverenciados no mundo inteiro. Muitos atletas começaram a sua trajetória bem ali, de frente para o Palácio do Samba”.
Logo, entender o papel que as escolas de samba possuem nas comunidades onde estão inseridas vai além de promover eventos e agregar valor junto à mídia. É necessário olhar esses espaços como pontos de transformação social e entender o caráter de desenvolvimento local que eles possuem e de que forma esses projetos contribuem para a sociedade por meio dos serviços que prestam. Da mesma forma, preciso explorar cada vez mais o potencial que essas agremiações possuem nessas regiões, seja por meio desses projetos, ou indiretamente, com o comércio local que cresce ao redor da quadra, como a venda de comidas, bebidas, roupas e acessórios, e até de outros serviços, como costureiras e cabeleireiros, que se estabelecem nas proximidades.
Não é à toa que Paulo da Portela era chamado de Professor. Nas suas atuações políticas - Paulo foi considerado Cidadão Samba em 1937, tendo participado da primeira excursão de sambistas ao exterior -, ele sabia que o nome “Escola de Samba” tinha um sentido muito além de ensinar a arte de sambar ou tocar instrumentos. A sua atuação também compreendia refletir que cada agremiação tinha um caráter formativo e acolhedor como ponto de resistência, garantindo muitas vezes, que essas comunidades tivessem acesso ao conhecimento.
Hoje, quase todas as escolas de samba realizam atividades nesse sentido, seja com Educação, Esporte, Cultura, Lazer e até ações de Saúde e de Cidadania, como emissão de documentos e feiras de emprego. Durante a pandemia, em meio a um cenário de desempregos e precariedades, além da confecção de máscaras de proteção respiratória, inúmeras campanhas foram realizadas distribuindo cestas básicas e materiais de higiene. Milhares de pessoas das comunidades que possuem agremiações foram impactadas com esses auxílios.
Não é possível dimensionar se o que é feito é muito ou se poderiam fazer mais. Mas o que fica é o questionamento: o que seria dessas comunidades se não existissem as suas respectivas escolas de samba? Possivelmente as configurações econômicas, sociais, políticas e até geográficas seriam bem diferentes, até mesmo a disposição estrutural da cidade. É necessário olhar para o Carnaval com todos os seus braços e forças, durante todo o ano, para além dos brilhos e dos holofotes midiáticos.
*Informações retiradas do site oficial https://www.beija-flor.com.br/projetos-sociais
Por: Carolina Grimião é jornalista, historiadora, mestranda do Programa de Pós-Graduação em Mídia e Cotidiano (PPGMC/UFF) e integrante do Grupo de Pesquisa do EMERGE.
Este texto faz parte do Dossiê do Emerge de Direitos Humanos.
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