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Guerra comercial de Donald Trump e investigação do Escritório de Comércio escancaram o imperialismo tecnológico americano sobre o Brasil

Texto por: Gilberto Scofield Júnior, doutorando do PPGMC/UFF e integrante do Emerge/UFF


O mês de julho de 2025 ficará para sempre marcado como o mês em que os EUA, em nome de um conjunto de premissas tão falsas quanto descabidas, decidiram inaugurar uma série de ataques tarifários contra o Brasil, e investigações do Escritório de Comércio dos EUA (USTR, na sigla em inglês). No dia 9 de julho, Donald Trump anunciou uma tarifa de 50% sobre produtos importados pelas indústrias americanas do Brasil a partir de 1º de agosto. Em sua rede social, Truth Social, Trump atribuiu a fúria tarifária a dois pontos básicos: uma alegação, falsa, de que o Brasil mantém uma relação de comércio injusta com os EUA. Na verdade, segundo a série histórica do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC), o Brasil tem déficits comerciais anuais seguidos com os EUA desde 2009. Nesses 16 anos, o superávit americano com o Brasil atingiu US$ 90,28 bilhões até junho de 2025.


O segundo ponto é uma tentativa de ingerência clara do governo americano sobre assuntos internos brasileiros. Trump criticou o julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro e colaboradores do antigo governo na tentativa de golpe de janeiro de 2023. Disse o presidente americano em sua rede: "Conheci e tive contato com o ex-presidente Jair Bolsonaro, e o respeitei profundamente, assim como a maioria dos outros líderes mundiais. A maneira como o Brasil tem tratado o ex-presidente Bolsonaro, um líder altamente respeitado em todo o mundo durante seu mandato — inclusive pelos Estados Unidos —, é uma desgraça internacional. Este julgamento não deveria estar acontecendo. Trata-se de uma caça às bruxas que deve acabar IMEDIATAMENTE!". O post, depois transformado em carta oficial, causou um terremoto nas relações diplomáticas e de negócios entre os países e o debate ganhou holofotes nas redes sociais, centrado no segundo ponto, com o próprio presidente Luiz Inácio Lula da Silva e outros integrantes do governo afirmando que o Executivo não tem ingerência sobre julgamentos realizados pelo Judiciário e que Bolsonaro (junto a apoiadores civis e militares) estimulou, planejou e tentou um golpe de Estado após perder as eleições em 2022. 


Mas é importante observar que a internet e as plataformas tecno-midiáticas atuam dentro de um sistema capitalista em que o alinhamento com grupos de poder parece se configurar como parte fundamental de suas estratégias comerciais. Em artigo no “Brasil de Fato”, Jonas Valente e Alexandre Arns Gonzales, pesquisadores e integrantes da organização Direito à Comunicação e Democracia (DiraCom) foram direto ao ponto: “No centro da ofensiva (de Trump) está a pressão contra regulações e decisões judiciais sobre plataformas digitais e grandes empresas de tecnologia estadunidenses. A movimentação escancara a necessidade de medidas emergenciais de soberania digital no Brasil”. É bom lembrar que, em fevereiro de 2025, o governo dos EUA, por meio do Secretário do Tesouro e do Comércio, emitiu um memorando detalhando “medidas que adotará caso países imponham barreiras às empresas digitais e de inovação norte-americanas em seus territórios”, inaugurando uma política oficial que muitos estudiosos do tema afirmavam ser construída apenas para frear a regulação das plataformas em escala planetária. O que se viu agora em julho foi a confirmação disso.


No relatório “Contratos, Códigos e Controle: a influência das Big Techs

no Estado brasileiro", de autoria de pesquisadores do Grupo de Estudos em Tecnologias e Inovações na Gestão Pública da USP e do Grupo de Trabalho Estratégia, Dados e Soberania do Grupo de Estudos e Pesquisas em Segurança Internacional da UnB, sabe-se que o setor público brasileiro gastou R$ 23 bilhões com licenças de software, soluções de nuvem, aplicações de segurança e serviços similares oriundos de corporações estrangeiras - a maioria americanas - entre 2014 e 2025, configurando uma dependência grande do setor público dos fornecedores de tecnologia que armazenam os dados pessoais e sensíveis de milhões de brasileiros. Para Trump, no entanto, esta montanha de dinheiro - suficiente, diz o estudo, para construir e instalar 86 data centers Tier 3 de 5 MW no país - não parece o bastante.


Tanto que o pesquisador David Nemer, da Universidade de Virgínia, afirmou em artigo publicado no site “The Conversation Brasil", que “a carta de Trump não é apenas uma retaliação política, é também um instrumento de lobby do Vale do Silício. Basta olhar com atenção para o conteúdo do texto: ‘centenas de ordens de censura SECRETAS e ILEGAIS às plataformas de mídia social dos EUA’, diz ele, referindo-se às decisões recentes do STF brasileiro. Essa queixa ecoa diretamente os argumentos de empresas como Google, Meta, Amazon e X (ex-Twitter), que têm travado uma ofensiva intensa contra qualquer tentativa de regulação no Brasil”. E o “Le Monde Diplomatique” fez coro: “O Brasil, que destinou R$ 23 bilhões às Big Techs nos últimos anos, é agora ao mesmo tempo cliente e alvo. Cliente, porque continua renovando contratos de licenças, nuvem e serviços críticos com essas empresas. Alvo, porque ousou discutir regulação, proteger dados sensíveis, julgar um ex-presidente por tentativa de golpe de Estado e exigir transparência em plataformas que, hoje, são braços do Departamento de Defesa dos EUA”


A imobilidade do Congresso e do próprio governo em regular as plataformas digitais, seja pelo aspecto de transparência dos algoritmos e accountability sobre os procedimentos de manutenção e retirada de conteúdos online, seja pelo aspecto do oligopólio das Big Techs e seus efeitos nefastos na concorrência e soberania nacional do setor de tecnologia, deixa a regulamentação ainda mais distante diante do tacape americano, temem muitos especialistas. O governo prometeu ao empresariado e agronegócio brasileiros esgotar as vias de negociação diplomática antes de acionar qualquer mecanismo retaliatório, como a aplicação da Lei de Reciprocidade aprovada às pressas por um Congresso imóvel diante do assunto e regulamentada igualmente às pressas pelo governo.


Mas as pressões não terminaram aí. No dia 15 de julho, o governo Trump abriu uma investigação comercial contra o Brasil que já havia sido anunciada na carta do tarifaço de 50%. A apuração, a cargo do USTR (Escritório do Representante de Comércio dos EUA), vai avaliar práticas do país em áreas tão díspares quanto o Pix (considerado prática desleal do país em relação a serviços de pagamentos eletrônicos, como o recém lançado WhatsApp Pay americano), desmatamento na Amazônia e até as lojas da rua 25 de Março, tradicional polo de comércio popular no centro de São Paulo (consideradas um exemplo das falhas na proteção e aplicação adequada e efetiva dos direitos de propriedade intelectual americanos). No meio da inusitada lista, os itens que interessam: comércio eletrônico e tecnologia, o que leva o novo imperialismo digital e colonialismo de dados dos EUA de volta às intenções de evitar a regulação brasileira das plataformas tecno-midiáticas. O governo ainda estuda a melhor forma de se movimentar em meio ao bombardeio. Outros países alvos do tarifaço estadunidense ameaçaram retaliações mas acabaram negociando tarifas e contrapartidas, mostrando que o tamanho do estrago ainda é incerto, mas uma coisa está clara: o governo Trump ameaça impor tarifas comerciais ao planeta para obrigar os países a se renderem a suas exigências. Melhor definição de imperialismo, impossível.

 
 
 

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