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Estudo de caso: os desafios na adaptação do currículo carioca às determinações de educação midiática da BNCC

Gilberto Scofield Júnior, doutorando do PPGMC/UFF e integrante do Emerge/UFF


Imagem: Microsoft Designer Generator


Em parceria firmada em 2022 com a Prefeitura do Rio de Janeiro, o hub de combate à desinformação Lupa mapeou as práticas de educação midiática numa escola pública de ensino fundamental com o objetivo de fortalecer o ensino dessa temática e combater a desinformação entre os alunos. A pesquisa investigou o consumo de notícias, a identificação de gêneros jornalísticos e a adequação do currículo municipal à Base Nacional Curricular Comum (BNCC). Além disso, buscou mapear as práticas ligadas à educação midiática já existentes na comunidade escolar e analisar como elas são definidas nos documentos oficiais e como, de fato, são trabalhadas nas salas de aulas. 

O objetivo foi a construção de um projeto piloto para a adaptação do currículo carioca adotado pela rede municipal - a maior do Brasil, com 1.063 escolas - a novas estratégias e ações pedagógicas que garantam que os alunos se tornem consumidores críticos de informação e cidadãos conscientes na era digital.


Para a coleta de dados com metodologia, foram trabalhadas as turmas de 7º ano da escola Finlândia, em Jacarepaguá, na zona oeste da cidade. A ideia era abordar um fenômeno que se popularizou e agrava o problema da pouca intimidade dos jovens com metodologias, epistemologias e lógica de funcionamento das mídias: conteúdos fraudados que se exibem como jornalísticos de gêneros variados - inclusive com a aparência de um site noticioso verdadeiro -, mas que se revelam opinião desinformativa fabricada com o intuito de confundir ou modificar a percepção de jovens estudantes a respeito de assuntos variados.


Durante o processo, foi possível perceber mudanças e adaptações pertinentes para se pensar em políticas educacionais escaláveis. Um primeiro exemplo ocorre exatamente no primeiro desenho do projeto, inspirado no programa premiado de educação midiática executado pela Finlândia (o país) e que seria adaptado à realidade brasileira. Logo de início, ainda com a consulta de pesquisadoras finlandesas, ficou evidente que a adaptação do mo-

delo do país nórdico não se revelou uma  opção  compatível e  que, na prática, os mesmos

passos de identificação - dentro do recorte social brasileiro - seriam necessários para a criação de um modelo autoral e original. Este texto fala da primeira etapa do projeto, que é exatamente essa identificação: o uso da Escola Finlândia para identificar pontos no currículo que podem ser mais explorados perante a temática de educação midiática, só que 

de forma transversal nas mais diversas disciplinas -Português, Matemática, Ciências, Histó-

ria e Geografia - do Ensino Fundamental.


Com base em experiências anteriores de projetos educacionais de todos os envolvidos e no fato de que nenhuma mudança curricular pode ser desenvolvida sem o envolvimento dos corpos coordenador e docente da escola, a Lupa iniciou a primeira fase do projeto com conversas online e presenciais com a coordenadora e a diretora da Finlândia para entender a dinâmica das aulas, quais práticas de educação midiática já são realizadas nas turmas e o interesse do corpo docente, bem como o buscar saber como funciona o chamado "Time F" - um grupo de alunos responsáveis pela gestão das redes sociais da escola. A etapa seguinte incluiu entrevistas individuais e dinâmicas de grupo com sete professores (sendo seis do 7º ano) e também análises dos documentos oficiais que amparam o trabalho educativo da escola.


Para poder ter referências na avaliação deste projeto, foi necessária a criação de uma metodologia que diferencia formas como a educação midiática é abordada. Não existe uma nomenclatura oficial sobre isto em nossas legislações, mas há referências de outros países que foram utilizadas para a criação da metodologia deste grupo. Foram consideradas que as produções de educação midiática podem ser “informativas”, puramente “midiáticas” e “midiáticas digitais”. Os resultados obtidos sobre as habilidades descritas para o sétimo ano na escola se constituem como 65% informativas, 17% midiáticas e 18% midiáticas digitais, demonstrando que praticamente um terço delas já indicam possibilidades de trabalhar ações de educação midiática em suas composições. É possível perceber também distinções nas áreas de conhecimento. O objetivo, então, tanto para a agência quanto para a Secretaria de Educação, foi criar e desenvolver tais habilidades junto a professores e coordenadores, de modo a convertê-las em processos pedagógicos constantes dentro do exercício de aplicação do currículo. Os desafios encontrados estão diretamente ligados ao desconhecimento midiático tanto de professores quanto de alunos. Estas habilidades estão sendo desenvolvidas em conjunto neste momento do trabalho.


Esse microcosmo se soma a outras pesquisas que mostram o conflito geracional de consumo de mídia que atravessa a escola. Professores raramente consomem os mesmos conteúdos ou mídias que seus alunos, mas pelos apontamentos realizados, fica evidente a importância de acompanharem ao qual estão sendo expostos. O reconhecimento do potencial de uso da tecnologia, aliado à necessidade de orientação, demonstra na prática a ideia de que nativos digitais são também inocentes digitais. Há oportunidades para investigar conceitos como letramento e fluência digital, dinâmica do TikTok, moderação de redes sociais, curadoria de conteúdo, processos de edição, cidadania digital e proteção de dados, entre outros. Essa experiência demonstra que o combate à desinformação é algo que, quando pensado na prática de educação midiática, transcende a premissa de se enquadrar numa disciplina ou de ser um conteúdo a ser mencionado. É necessária uma transversalidade de currículos, através de políticas públicas com alinhamento de diferentes gestões, e formação de professores pensadas desde as Licenciaturas e de forma contínua junto com especialistas.


Acesse o Instagram do Grupo de Pesquisa Emerge e saiba mais sobre as pesquisas desenvolvidas.

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