Para combater a desinformação precisamos de políticas públicas, não de modelos estrangeiros
- commovimentouff
- 25 de abr. de 2023
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Atualizado: 17 de mai. de 2023
Dossiê do Emerge em parceria com a Rede Nacional de Combate à Desinformação (RNCD)

Texto por: Ana Paula Alencar, doutoranda do PPGMC/UFF e integrante do Emerge/UFF
Muito se fala sobre a Finlândia e as suas políticas de implementação de literacia midiática no currículo escolar desde a educação infantil. Bem como, sobre os impactos positivos desse modelo de educação no combate à desinformação, através do desenvolvimento do senso crítico sobre a produção e distribuição de conteúdo. Evidente que a Finlândia pode ser uma referência para países que ainda estão em busca desses resultados, como é o caso do Brasil. Porém, o que realmente deve nos inspirar no modelo finlandês é o que está por trás das práticas de sala de aula, ou seja, políticas públicas bem estruturadas e com investimento que garantam sua aplicação de forma continuada em longo prazo.
A formação de um leitor crítico, capaz de resistir, em algum nível, à sofisticada máquina da desinformação contemporânea, requer tempo e consistência. Para um modelo educacional com foco em literacia midiática, não bastam diretrizes como temos na Base Nacional Comum Curricular (BNCC) , no Plano Nacional de Educação (PNE) e na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) . Apesar de serem imprescindíveis, tais diretrizes precisam estar acompanhadas, como no modelo finlandês, de investimento em recursos educacionais que objetivamente viabilize a integração da literacia midiática em todos os níveis do currículo escolar.
Um caminho já percorrido por países de referência na materialização desse objetivo, são as parcerias com organizações da sociedade civil e programas de extensão universitária, que já levam para as escolas a literacia midiática através de projetos pontualmente bem-sucedidos. No Brasil, temos uma pluralidade de projetos e ações promovidas por entidades diversas. Portanto, temos modelos, o que nos falta são política públicas que deem escala a essas iniciativas.
Em entrevista ao Programa Comunicação em Movimento, o professor do Departamento de Comunicações e Artes da ECA/USP e presidente da Abpeducom, Ismar de Oliveira Soares, definiu políticas públicas exatamente nessa perspectiva de reconhecimento pelos órgãos públicos (secretarias e ministérios) do valor de um conceito ou de uma prática, “legitimando-as e oferecendo suporte legal com normas e leis; e suporte estratégico com maneiras de proceder.”
O professor reforça também que temos no Brasil modelos essenciais para referenciar tais políticas e destaca dois conjuntos de iniciativas: os pequenos projetos desenvolvidos por centros de cultura Brasil a dentro, que mobilizam as pessoas a partir da valorização da linguagem e cultura local e as ações conjuntas da USP com a Secretaria Municipal de Educação e a Secretaria Municipal de Meio Ambiente de São Paulo. Somada a essas práticas, Soares ressalta a contribuição das reflexões teóricas e compilações de procedimentos realizadas por pesquisadores de diferentes áreas do conhecimento, como valioso suporte para a estruturação de políticas públicas.
Entretanto, é preciso, antes de tudo, instituições políticas comprometidas com preceitos democráticos e que considerem a formação de leitores críticos uma potência para o desenvolvimento de uma sociedade e não uma disputa de interesses. Por outro lado, organizações da sociedade civil e pesquisadores que, juntos, produzem prática e reflexão, não podem deixar de incluir em seus projetos relatórios objetivamente destinados ao fomento de políticas públicas.
Logo, podemos e devemos olhar para exemplos bem-sucedidos como a Finlândia, mas são as práticas já realizadas no Brasil, cruzadas com dados e reflexões sobre o contexto em que essas iniciativas são aplicadas, que poderão suportar políticas consistentes de literacia midiática que considerem e contemplem às demandas sociais, econômicas, políticas e culturais brasileiras.
Diversos projetos, que de alguma forma se relacionam com literacia midiática e com o combate à desinformação, estão em andamento ou em fase de desenvolvimento em níveis municipal, estadual e federal. Entretanto, o engajamento da sociedade civil e de pesquisadores na discussão dessas propostas é o que irá contribuir para a formulação de políticas públicas que não apenas estabeleçam ou reforcem diretrizes, mas que impliquem efetivamente em uma educação para o combate à desinformação, partindo de definições e objetivos claros que contemplem: formação de professores e gestores escolares; definição de estratégias pedagógicas que envolvam o desenvolvimento de habilidades críticas; criação de espaços de diálogo e debate sobre desinformação e seus efeitos; elaboração de materiais educativos que apoiem a implementação das estratégias pedagógicas propostas; promoção de campanhas de conscientização sobre a importância do combate à desinformação; programas de alfabetização digital que ampliem a competência instrumental o que envolve a disponibilização atualizada de computadores e softwares, de conexões satisfatórias, de estruturas de manutenção e segurança, para sua conservação; e incentivo à pesquisa científica sobre a desinformação e suas implicações, de modo a fomentar o desenvolvimento de novas abordagens e estratégias de combate.
Por fim, é importante ressaltar que a formulação de políticas públicas de educação para o combate à desinformação requer uma abordagem interdisciplinar, que envolve não apenas a educação, mas também a comunicação, a informação, a tecnologia e outras áreas do conhecimento. Essa sinergia pode abrir possibilidades de superar alguns obstáculos históricos como a desarticulação de órgãos e instituições de educação, comunicação e tecnologia; a desigualdade de acesso da população às tecnologias e à internet; a narrativa que associa literacia midiática e combate à desinformação com limitação da liberdade de expressão; e, especialmente, a falta de formação adequada de professores e gestores escolares sobre literacia midiática e combate à desinformação.

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