Pandemia do novo coronavírus evidencia fragilidades na Saúde
- commovimentouff
- 6 de abr. de 2020
- 4 min de leitura
Atualizado: 13 de abr. de 2020
Pesquisas mostram como a deficiência orçamentária acarreta consequências negativas no enfrentamento à Covid-19

Por Carolinne Cabral
O Brasil encara, hoje, um cenário resultante de cortes orçamentários junto à má gestão dos recursos públicos realizados pelo governo. Em meio a pandemia, o impacto dos números interfere diretamente na expectativa de vida do cidadão brasileiro. Conforme aponta o artigo publicado em 2019 no periódico BMC Medicine, do Reino Unido, “as reduções na cobertura de atenção primária à saúde devido a medidas de austeridade provavelmente serão responsáveis por muitas mortes evitáveis, e podem impedir a conquista de ODS [Objetivo de Desenvolvimento Sustentável] pela saúde e desigualdade no Brasil e em outros países de baixa e média renda”. A pesquisa ainda esclarece que a redução de investimentos federais decorrentes do teto de gastos podem levar a 27,6 mil mortes evitáveis até 2030.
“Ao longo do tempo, a falta de investimento vai se acumulando. Foi virando uma bola de neve até chegar ao ponto que chegou, das instituições públicas estarem deterioradas” - Lúcia Karan, fisioterapeuta
Lúcia Karan, fisioterapeuta no Hospital Municipal Raul Sertã, localizado em Nova Friburgo, na região serrana do Estado do Rio de Janeiro, concorda com os apontamentos do estudo ao expor que a falta de investimentos é decorrente de anos: "O corte de gastos vem de muito tempo. Eu trabalho em hospital público há 20 anos e essa situação sempre aconteceu. Ao longo do tempo, a falta de investimento vai se acumulando. Foi virando uma bola de neve até chegar ao ponto que chegou, das instituições públicas estarem deterioradas”.
Ela ressalta, ainda, que equipamentos que precisariam ser consertados foram ficando sucateados por falta de manutenção.
O sistema de saúde pública enfrenta limites orçamentários desde a aprovação da Emenda Constitucional 95, pelo Congresso Nacional, em 2016. A regra do teto de gastos é um mecanismo de controle público federal que tem como objetivo limitar o crescimento das despesas da União durante 20 anos e evitar que os custos cresçam acima da inflação. Segundo cálculos confirmados pela Secretaria de Orçamento Federal (SOF), ligada ao Ministério da Economia, a perda de recursos que seriam investidos em 2020 poderiam chegar aos R$ 9,46 bilhões na área de saúde.
A falta de qualidade na administração governamental também foi evidenciada no levantamento realizado pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) em 2018. O documento mostrou que cerca de R$ 174 bilhões autorizados no Orçamento Geral da União (OGU) deixaram de ser utilizados pelo Ministério da Saúde entre os anos de 2003 e 2017 – montante que representa 11% do total autorizado. Exibiu, ainda, que os gastos públicos por habitantes no país cresceram bem menos que a inflação – cenário que contraria a própria Emenda Constitucional 95. De acordo com a pesquisa, em 2017, se toda a inflação tivesse sido reposta, o Ministério da Saúde teria um orçamento de R$ 373 bilhões – valor 42% maior do que obteve.

(Pesquisa mostra total de recursos não utilizados pelo Ministério da Saúde │ Fonte: Ministério da Saúde)
Coronavírus e a sobrecarga no sistema de saúde
O crescimento acelerado de casos de Covid-19 no Brasil está sendo mostrado como reflexo da falta de capacidade da rede hospitalar em comportar a quantidade de pacientes. Este cenário retrata a deficiência do sistema de saúde gerado pela falta de compromisso orçamentário por parte da União. Conforme as Secretarias estaduais de Saúde, desde o registro inicial do novo coronavírus, realizado há pouco mais de um mês (25/02/2020), o país chegou a mais de 5,7 mil infectados e passou a margem de 200 mortos em todo território nacional.

(Casos de coronavírus confirmados no Brasil │ Fonte: Ministério da Saúde)
O Sistema Único de Saúde (SUS), bem como outras unidades hospitalares públicas e particulares, passam por uma superlotação que exige eficácia e rapidez. Segundo o Ministério da Saúde, o país dispõe de cerca de 55 mil leitos de UTI, dos quais pouco mais de 27 mil estão no SUS e na rede privada. Esse cenário, no entanto, não seria efetivo para suportar uma pandemia. Para Wilson Oliveira, membro da diretoria da Associação de Medicina Intensiva Brasileira (AMIB), em entrevista a IstoÉ, seriam necessários mais dois mil leitos, pelo menos, de UTI para suprir a necessidade imposta pelo coronavírus.
“As equipes de saúde seguem totalmente desassistidas pelo governo” - Maurício Cavalcanti, enfermeiro
Maurício Cavalcanti, enfermeiro residente na linha de frente junto a pacientes oncohematológicos no HemoRio, localizado no município do Rio de Janeiro, ressaltou esse quadro ao afirmar que, para ele, o maior impacto negativo para as redes públicas hospitalares é a superlotação com pessoas que tenham suspeitas, sinais e sintomas parecidos com a Covid-19 mas que não estão, de fato, com a doença: "Elas demandam de equipes profissionais e recursos para tal. Quando eu realmente tenho uma pessoa confirmada com coronavírus e ela tá gravemente enferma, ela não chega a utilizar todos os recursos que deveriam estar disponíveis, então, ela acaba falecendo”.
Lúcia Karan classifica a situação como grave: "É uma pandemia, não é como outras doenças que estamos acostumados a lidar. É uma doença que requer isolamentos, material de proteção. Muitos desses pacientes podem evoluir para ventilação mecânica. Temos que achatar a curva para o sistema de saúde poder dar conta, não só o público mas também o privado que, em algum momento, vai ter que ser acionado pelo governo para atender a demanda”.
Maurício Cavalcanti também mencionou a Emenda Constitucional que congela gastos em saúde por 20 anos. Em conversa, enfatizou que o impacto afeta dois setores prioritários para os atendimentos: microambientes – os quais se relacionam com a ampliação de leitos, reformas e construção de unidades hospitalares – e os macroambientes, responsáveis pelas pesquisas básicas da área e implantação de novas políticas públicas em saúde:
“Isso impacta diretamente na pandemia porque o hospital ou qualquer unidade de saúde teve sempre que viver com o mínimo. O cenário atual é de contratação emergencial de profissionais, de falta de equipamentos de proteção individual e de ausência de treinamentos desses profissionais”, Maurício Cavalcanti, enfermeiro
Para os entrevistados, o impacto também se direciona à falta de cuidado para com eles e as equipes médicas. O enfermeiro ressaltou seu sentimento de insegurança ao cuidar de sujeitos diagnosticados com a Covid-19 e salientou que a principal reclamação que tem ouvido é sobre a ausência de Equipamentos de Proteção Individual (EPI).
Maurício Cavalcanti explica que as equipes de saúde seguem totalmente desassistidas pelo governo, e Lúcia Karan comenta que há demora na chegada dos objetos: “A gente está esperando os materiais de proteção individual chegarem. As próprias indústrias não estão dando conta da demanda. O problema não é só falta de dinheiro, é de ter o que comprar".
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