O Carnaval e o papel das escolas de samba no combate à desinformação
- commovimentouff
- 27 de abr. de 2023
- 4 min de leitura
Atualizado: 17 de mai. de 2023
Dossiê do Emerge em parceria com a Rede Nacional de Combate à Desinformação (RNCD)

Foto: Fernando Grilli /Riotur / Divulgação
Texto por: Carolina Grimião, mestranda do PPGMC/UFF e integrante do Emerge/UFF
Pensar em desinformação é falar de um movimento que atinge todas as áreas da nossa sociedade, inclusive a área cultural. Alvo de preconceitos estruturais e de uma diminuição de sua importância histórica, o Carnaval, ainda que seja um produto midiatizado e exportado para o mundo inteiro, encontra, nos meios onde circula, uma série de notícias falsas ou minimamente distorcidas, seja sobre as escolas de samba como em relação aos demais grupos que o compõem. Todos os anos, principalmente nos meses que antecedem o Carnaval, diversas informações são propagadas em tons sensacionalistas ou até mesmo contendo inverdades que viralizam, tornando muitas vezes esta manifestação popular uma vitrine de ataques.
Muito do que acontece hoje tem um embasamento da própria mídia que o transformou em um produto midiático. A relação do Carnaval com a televisão, por exemplo, perpassa aproximadamente 60 anos de história e, durante muito tempo, principalmente nos anos 1980 e 1990, a narrativa esteve pautada no “senso comum”: festa, alegria, promoção de artistas famosos nos desfiles e a exaltação da figura da Rainha de Bateria e do corpo feminino. Ou seja, pautas que atendiam aos interesses de mercado, onde a imagem do movimento ignorava toda a sua relevância, bem como seus símbolos e signos, fruto de uma homogeneidade simplória na exibição das agremiações, que ignorava as suas particularidades e singularidades.
Com isso, ainda no final dos anos 1990, sites informativos de Carnaval surgem dos jornais, que já percebiam na Internet um caminho para pautar essa agenda ao longo do ano. Em paralelo, com os endereços eletrônicos dentro dos domínios de grandes jornais de circulação, também surge uma imprensa alternativa dentro do meio carnavalesco que vai, por meio de veículos independentes, gerar um conteúdo próprio, com mais ênfase aos profissionais do meio, as agendas de meio de ano e com espaço para as agremiações dos Grupos de Acesso, até então praticamente invisibilizadas pelas grandes mídias. Essa imprensa hoje resulta em canais - sites, redes sociais e plataformas audiovisuais como o Youtube - de referência nesse tipo de conteúdo, com uma cobertura diária que acompanha cada etapa ao longo de todo o ano, ainda que muitos deles existam com base em um trabalho autônomo e voluntário.
Paralela a essa imprensa alternativa, em um movimento recente, as próprias escolas de samba caminham para além dos tradicionais releases de assessoria de imprensa, buscando, por meio das redes sociais oficiais e dos seus canais de Youtube, promover a informação de forma cada vez mais assertiva e direta ao seu público. Alice Fernandes, proprietária da MuitaMídia Comunicação, produtora que atua no nicho carnavalesco, pontua: “O Carnaval, por remeter a uma celebração popular, causa em muita gente a equivocada impressão de que o negócio não é sério. Para atrair o público de ‘fora da bolha’, são muitas as estratégias. E para manter seus seguidores também. Entreter muito além dos desfiles (algo que só acontece uma vez ao ano) é sempre desafiador. Não raro surgem prints de reportagens fictícias (com direito a logo de veículos que sequer noticiaram aquele fato), plantando as chamadas ‘fake news’. É nessa hora que os veículos especializados se fortalecem, com desmentidos recheados de declarações dos personagens envolvidos e com o principal dos ingredientes: a verdade”, destaca a jornalista, que vive os desfiles desde 1986 e tem mais de vinte anos trabalhando com Carnaval.
Para quem frequenta este nicho e consome as informações diariamente, a preocupação com a informação é importante para aproximar cada vez mais o público das quadras e eventos promovidos pelas agremiações, além de combater preconceitos e acerca do movimento cultural, histórico, artístico e político que os grupos carnavalescos representam. É o que acredita João Marcos Rocha Pereira que, dos seus 28 anos de vida, há 22 acompanha o Carnaval carioca tanto presencialmente quanto pela mídia. Hoje é Professor de História e Mestrando em História das Ciências pela Casa de Oswaldo Cruz/FIOCRUZ:
“Em épocas de total desmonte cultural brasileiro, ter contato com as notícias a respeito do maior evento cultural do país é imprescindível. O Carnaval como enfoque e bem de consumo, pode ser visto, inclusive, como uma forma de resistência. Uma cultura grandiosa e, ao mesmo tempo, tão marginalizada. A valorização dos meios de imprensa para esse público é de extrema importância, pois somente com incentivo (para além da paixão que move a maior parte desses órgãos) a divulgação será possível combater a desinformação, o racismo cultural e promover aquele que, de fato, é o maior espetáculo da Terra”, defende.
Dessa forma, o Carnaval resiste e persiste se reinventando a medida em que as mídias vão se atualizando e, assim, como em tantas outras áreas que compõem cotidianos específicos, precisa criar diversos mecanismos para que as informações tenham onde circular, em canais de referência que atendam ao seu público com qualidade e sejam uma forma de resistência aos mais diversos tipos de discriminação ou desconhecimentos oriundos de uma falha comunicacional que acompanha esse movimento desde o início. Mais do que as questões sócio-políticas estruturais que acompanham o Carnaval neste longo processo, é o direcionamento do olhar para o produto midiático que precisa, ainda nos dias de hoje, ser ensinado, reafirmado e reconfigurado em todas as esferas da nossa sociedade.

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