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Os desafios de proteção à liberdade de expressão em tempos de desinformação e discurso de ódio em períodos eleitorais

Gilberto Scofield Júnior, doutorando do PPGMC/UFF e integrante do Emerge/UFF.


No relatório da UNESCO "Eleições em tempos digitais - um guia para praticantes eleitorais", sabe-se que com uma estimativa de 56,8% da população mundial ativa nas redes sociais e uma expectativa de 4 bilhões de pessoas autorizadas a votar, a presença ubíqua dessas redes na rotina social, o fenômeno da desinformação e do discurso de ódio online, além do impacto da Inteligência Artificial (IA) podem, intencionalmente ou não, minar os processos eleitorais, deslegitimando democracias mundialmente. Já se tornaram casos exemplares o uso de deepfakes produzidas por IA para produzir desinformação e sustentar mentiras em recentes eleições em Bangladesh e Eslováquia, inclusive com o uso de imagens de jornalistas respeitados nesses países.


Imagem: Relatório Unesco


A poucos meses das eleições locais que elegerão prefeitos e vereadores dos mais de 5 mil municípios brasileiros, o tema ganha importância em aspectos tão variados quanto a integridade do processo eleitoral até a possibilidade dos eleitores brasileiros tomarem suas decisões sobre em quem votar baseados em evidências sólidas a respeito de candidatos e seus compromissos e realizações.


O artigo 21º da Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) é claro: toda a pessoa tem direito à participação democrática. Neste contexto, dois outros direitos ganham relevância em seus papéis de dar aos cidadãos os recursos necessários para a melhor decisão na escolha de seus representantes - o direito à liberdade de expressão e o direito ao acesso à informação, ambos explicitados também na DUDH (artigo 19º).


No entanto, como expresso na Constituição Federal e no entendimento das próprias Nações Unidas, estes direitos não são absolutos e podem ser juridicamente restritos em condições específicas e limitadas, um detalhe que está no centro do recente embate entre o bilionário Elon Musk, dono do X (ex-Twitter) e o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes. Longe do que se poderia qualificar como censura, a própria ONU cita o chamado "Teste de Três Partes" para determinar restrições a manifestações autodeterminadas como "liberdade de expressão". Qualquer restrição tem que ser: 1) estabelecida em lei; 2) ter um objetivo legítimo e 3) ser necessária para um propósito legítimo.


Em 2020, uma "Declaração Conjunta sobre Liberdade de Expressão em Eleições na Era Digital", assinada pelas Nações Unidas (ONU), pela Organização para a Segurança e Cooperação na Europa (OSCE), e pela Organização dos Estados Americanos (OEA) determinou aos países que apoiassem o combate à desinformação, ao discurso de ódio e violência (notadamente contra jornalistas, mídia e grupos marginalizados historicamente) e à disseminação de informações que interfiram no curso normal das eleições (como conteúdos falsos sobre onde e como votar, por exemplo), inclusive - e principalmente - por parte de integrantes de governos.


Ainda que o documento sugira que se evite criminalizar algo que possui um conceito tão amplo como "desinformação", a preocupação é clara: o direito à livre expressão não pode colocar em risco a integridade dos cidadãos e das eleições, em particular, e do próprio processo democrático, no geral.


Ao contrário da jurisprudência nos EUA, o direito no Brasil não considera a liberdade de expressão um direito absoluto. Isso se torna ainda mais vital em tempos eleitorais. É o que explica Pierpaolo Cruz Bottini, professor associado de Direito Penal da Faculdade de Direito da USP: "Não há, contudo, prerrogativas absolutas, na lei ou na vida. A Constituição prevê, ao lado da liberdade de expressão, inúmeros outros direitos, que devem ser exercidos em harmonia, garantindo-se o maior espaço de liberdade possível aos cidadãos. Quando tais direitos colidem, é preciso reduzir o âmbito de existência de cada um, de forma racional e ponderada, para preservar o exercício de ambos…O direito penaliza aqueles que usam da palavra escrita ou verbal para desgastar a honra alheia, abrindo-se uma exceção nas críticas a pessoas públicas —em especial autoridades—, caso em que mesmo declarações ácidas, profundas e impiedosas são admitidas, desde que não resvalem na imputação falsa de crimes, ou em declarações inverídicas sobre fatos desabonadores. Para além da honra, a liberdade de expressão também encontra limite quando se trata de discursos de ódio, que incitam a violência ou a agressão. Qualquer cidadão pode expressar suas ideias, por mais absurdas e estapafúrdias que sejam, desde que não ameace terceiros".

 

 Acesse o Instagram do Grupo de Pesquisa Emerge e saiba mais sobre as pesquisas desenvolvidas.

 

     

 
 
 

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