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Participação Social, Cidadania e Garantia dos Direitos Humanos

Atualizado: 17 de mai. de 2024

Cinthya Pires, integrante do EMERGE. Jornalista e Publicitária.


De acordo com o Dicionário Escolar de Língua Portuguesa, publicado pelo Ministério da Educação e Cultura (1976), “cidadão” significa “habitante da cidade; indivíduo no gozo dos direitos civis e políticos de um Estado” e “cidadania” refere-se à “Qualidade ou nacionalidade de cidadão”. Historicamente, o conceito de cidadania está relacionado aos direitos humanos, os quais foram alvos dos movimentos democratizantes do século XVIII, e representam os ideais de resistência às instituições autoritárias, contra as classes dominantes (POSTER, 2010, p. 316).


Imagem: Pixabay


Segundo Poster (2010), o uso do termo “direitos” seria muito vago e para os interesses da Revolução Francesa (século XVIII) e a consequente Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão. Por isso, foi necessário acrescentar a palavra “humanos” para o fortalecimento da luta. No entanto, ainda assim, registra-se que, em 1789, o uso de “direitos humanos” não foi suficiente para afastar exclusões de feministas e antirracistas, por exemplo. Então, uma nova incursão foi realizada com o acréscimo do termo “cidadão”.


A utilização dessa palavra ampliava teoricamente o escopo de atuação do homem, promovendo o respeito aos direitos humanos e garantia ao exercício da cidadania (POSTER, 2010, p.318). Porém, o conceito trouxe divergências entre os teóricos. Esse teórico ainda cita que Marx (1967) expôs seu entendimento sobre a divisão entre as palavras homem e cidadão no campo político, uma vez que o primeiro representava o privado, o indivíduo burguês, enquanto o segundo, o público, a pessoa envolvida em questões políticas.


Logo, “a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão anuncia uma antropologia nova e unificada, uma exigência de que o ser humano apareça no palco da política mundial com os direitos do cidadão e ao mesmo tempo” (POSTER, 2010, p. 319). De certa forma, seria o potencial do “cidadão” representar a democracia na globalização. E, embora este ideal possa significar muito para os estudos de comunicação e processos de participação por meio do uso de tecnologias digitais, também devemos considerar os efeitos da globalização e da mídiatização perante o “cidadão”.


O professor norte-americano ainda avalia que o termo “cidadão” ligado ao “Estado-nação” pode não mais ser adequado diante da amplificação de espaços políticos sobre os quais possa atuar em rede, globalmente e não mais local. Sinaliza a necessidade de “reconfigurar o indivíduo político em relação às condições de globalização”, considerando as novas características dos meios de comunicação, sobretudo com a disseminação da internet, que estabelece outras possibilidades de relações políticas. Essa reflexão condiz com os pensamentos de Lévy (2010), teórico dos usos da tecnologia e da formação de comunidades virtuais, que defende a desterritorialização do espaço público e a configuração de uma nova esfera pública pautada pela inclusão, transparência e universalidade.


Carvalho (2002, p.12) também destaca que historicamente o conceito de cidadania se desenvolveu no processo de constituição do Estado-nação, com a Revolução Francesa de 1789. Nesse período, as disputas pelos direitos ocorreram nos limites geográficos e políticos proporcionados pelo Estado-nação, caracterizando uma luta política nacional através da relação dos sujeitos sociais com o Estado e a nação. O autor expõe que desta época para a atualidade, resta daquela cidadania aspectos de lealdade ao Estado (participação na vida política) e a identificação com a nação, embora nem sempre esses dois fatores apareçam juntos.


No entanto, com a derrocada do conceito de Estados-nação a partir da globalização e dos processos de fortalecimento do sistema capitalista, questiona-se a manutenção de sua identidade diante dos novos arranjos políticos e econômicos, em que o Estado reduz seu poder e consequentemente sua atuação em relação às atividades de defesa e garantia dos direitos que compõem a cidadania.


Imagem: Pixabay/kalhh


Em seu livro “Cidadania no Brasil”, Carvalho (2002) desenvolve levantamento histórico sobre o processo de construção da democracia no Brasil e as diferentes fases que permearam a construção da cidadania:

A cidadania, literalmente, caiu na boca do povo. Mais ainda, ela substituiu o próprio povo na retórica política. Não se diz mais ‘o povo quer isto ou aquilo’, diz-se ‘a cidadania quer’. Cidadania virou gente. No auge do entusiasmo cívico, chamamos a Constituição de 1988 de Constituição Cidadã” (CARVALHO, 2002, p. 07).


Através do desconhecimento sobre as diferentes nuances as quais o termo cidadania está sujeita, o autor discute que a conquista de um dos direitos – no caso políticos, gerou a falsa expectativa de que seria suficiente para consolidação da democracia no Brasil. A evolução da democracia e da cidadania são fenômenos que se entrelaçam e desencadeiam um sistema complexo relacionado a questões econômicas, políticas, sociais e históricas no país. Por isso, é habitual considerar a instituição da cidadania a partir de três eixos - direitos civis, políticos e sociais, sendo que a aquisição de um destes não possibilita automaticamente a aquisição dos demais:

O exercício de certos direitos, como a liberdade de pensamento e o voto, não gera automaticamente o gozo de outros, como a segurança e o emprego. O exercício do voto não garante a existência de governos atentos aos problemas básicos da população. Dito de outra maneira: liberdade e a participação não levam automaticamente, ou rapidamente, à resolução de problemas sociais. Isto quer dizer que a cidadania inclui várias dimensões e que algumas podem estar presentes sem as outras. Uma cidadania plena, que combine liberdade, participação e igualdade para todos, é um ideal desenvolvido no Ocidente e talvez inatingível. Mas ele tem servido de parâmetro para o julgamento da qualidade da cidadania em cada país e em cada momento histórico (CARVALHO, 2002, p. 08).


Portanto, seguindo as análises de Carvalho acreditamos na validade de esclarecermos essas três dimensões da cidadania, cujo desafio é alcança-las, proporcionando equilíbrio e exercício pleno dos direitos. Uma utopia ocidental que nos indica parâmetros para reivindicações e mobilizações em prol do bem comum. No que diz respeito aos direitos civis, encontramos os direitos fundamentais de igualdade, liberdade de opinião e expressão, organização, garantia de ir e vir, manifestação do pensamento, de exercício da lei acessível a todos. Sobre os direitos políticos, vislumbramos a participação no governo, o direito de votar e ser votado, enfim a atuação política em defender ideologias, organizar partidos, sindicatos e instituições. Com relação aos direitos sociais, temos todas as variáveis relacionadas à vida igualitária em sociedade, incluindo direito à saúde, ao trabalho e à educação, dentre outros. Seu exercício advém da atuação do Estado em prol da redução das desigualdades e da garantia de bem-estar para a sociedade.


A abordagem do conceito cidadão relacionado à globalização e à lógica consumista introduzida pelo mercado é uma das críticas de Mattelart (2011), que considera desvirtuar os estudos acadêmicos de seus objetivos. Ao absorvermos a noção de “consumidor-cidadão”, recorrentemente atrelada à concepção dos Estados-nação, o teórico enfatiza que as análises estarão eivadas das interferências do projeto global hegemônico. Através desta observação entende que a referida aproximação se trata de um “neopopulismo cultural” que busca igualar questões distintas como aquisição de produtos/serviços e liberdade pautada pela cidadania (Ibidem, p. 164).


O autor ainda denúncia a tentativa de comparar o Estado Democrático de Direito e o exercício da democracia ao “global democratic marketplace” (mercado global democrático) como comumente é referido pelas “elites globalizadas”. Tal reflexão é necessária para que estarmos atentos às possíveis influências mercadológicas sobre a participação social em prol do bem comum. A partir da complicação do cenário midiático com usos de novas tecnologias e suposta multiplicação de possibilidades de acessos à informação, não devemos confundir esse sistema com apropriação popular de espaços públicos de comunicação, garantias de liberdade e consolidação da democracia.


Feita esta ressalva, embora os recursos advindos com a Internet tenham intensificado o uso e a percepção de que atuamos em espaço distinto, devemos considerar que não somos ou estamos online ou off-line, uma vez que somos indivisíveis e únicos, independente do sistema através do qual nos expressamos. Essa interpenetração de espaços não é inédita e já pôde ser constatada como a chegada de outros meios de comunicação e de transporte. O que observamos é a aceleração nos fluxos comunicacionais como elemento facilitador para o estabelecimento de relações sociais e para a exposição de posicionamentos políticos. Portanto, o entendimento de espaço público enquanto ambiência para participação social deve estar centrado nas relações sociais dos indivíduos, evitando ênfase na virtualidade das ações proporcionadas pelas tecnologias.


Para Esteves (2004), é inevitável a dispersão física dos públicos e o fortalecimento de vínculos sociais diante das mudanças tecnológicas que alteram os procedimentos comunicacionais na sociedade. Por isso, não devemos desconsiderar o papel político do indivíduo e subjugá-lo aos apelos tecnológicos:

Os públicos, enquanto redes de comunicação, reservam um papel essencial à afirmação das características individuais dos seus membros, são espaços sociais fortemente personalizados que fazem emergir “individualidades”, ou seja, dependem de agentes sociais, empenhados em afirmar sua personalidade e subjetividade próprias – o que torna, afinal, cada membro dos públicos um interlocutor, isto é, um sujeito de discurso e um destinatário crítico das opiniões dos outros (ESTEVES, 2004, p. 130).


Esteves também sinaliza que as tecnologias digitais facilitam o interesse comum, o consenso. Apesar do acesso às tecnologias ainda ser um desafio em áreas mais afastadas das regiões metropolitanas, é inegável que o aumento da penetração desses dispositivos junto à sociedade, viabiliza apropriação social e novas configurações de fluxos comunicacionais.


Portanto, o acesso às tecnologias digitais (e seu efetivo uso) proporciona caminhos para que novos rumos sejam delineados em prol do conceito de cidadania, possibilitando, mesmo diante de embates, amplificar a participação social e o envolvimento das pessoas em causas de bem comum, para construção de sociedades mais justas e igualitárias.


Acesse o Instagram do Grupo de Pesquisa Emerge e saiba mais sobre as pesquisas desenvolvidas.


Referências


POSTER, Mark. Cidadania, mídia digital, globalização. In: MORAES, Dênis. Por outra comunicação. 5ª ed. Rio de Janeiro: Record, 2010., p. 315-338.

LÉVY, Pierre. Pela ciberdemocracia. In: MORAES, Dênis. Por outra comunicação. 5ª ed. Rio de Janeiro: Record, 2010, p. 367-384.

CARVALHO, José Murilo de. Cidadania no Brasil. O longo Caminho. 3ª ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002.

MATTELART, Armand. Estudiar comportamentos, consumo, hábitos y prácticas culturales. In: ALBORNOZ, Luis A. (comp.). Poder, Medios, Cultura: uma mirada crítica desde La economia política de la Comunicación. Buenos Aires: Paidós, 2011.

ESTEVES, João. Espaço Público. In: ALBINO, Antônio; RUBIM, Canelas (Org). Comunicação e Política: conceitos e abordagens. Salvador: Ed. UNESP, 2004. Disponível em:<https://comunicacaoeleitoral.ufpr.br/wp-content/uploads/2018/03/RUBIM-org-Comunicacao-e-politica-conceitos-e-abordagens>. Acesso em: 20 abr. 2024.

 

 
 
 

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