top of page

Podcast: o rádio expandido na EBC



Dossiê Novas Mídias

Por : Akemi Nitahara

Isabela Vieira


Com 20 anos de história, uma mídia ainda pode ser chamada de nova? O podcast veio chegando devagar e há cerca de 5 anos se consolidou no país em diversos formatos, plataformas e propostas narrativas e informativas.  Assim, oss estudos passaram de webradio para podcasting e, na prática da Empresa Brasil de Comunicação (EBC), aportou há menos de dois anos.


Foi em 2004 que o “rádio sob demanda” foi batizado, pelo jornalista britânico Ben Hammersley, em um artigo para o jornal The Guardian. A expressão uniu as palavras iPOD, o tocador multimídia lançado pela Apple em 2002, e broadcasting (radiodifusão, em inglês). De acordo com Marcelo Kischinhevsky (2024, p. 17), “Hammersley constatava que havia algo diferente acontecendo com o rádio via internet, que era cada vez mais ouvido sob demanda, articulando-se com blogs, misturando elementos de expressão pessoal, de conversa informal, e temas fora do radar da mídia de referência, graças a uma nova forma de distribuição de conteúdo online”.


O pesquisador italiano Tiziano Bonini (2020) define duas fases para o podcasting: a partir de 2004, quando o “novo meio digital massivo” foi batizado; e a segunda fase, com início em 2012, quando o podcasting se firma no mercado independente, se profissionaliza e ganha audiência relevante com o avanço da tecnologia, em especial dos smartphones e das redes sociais. Kischinhevsky acrescenta à periodização uma terceira fase, que no Brasil se inicia em 2019, quando a produção de podcasts foi absorvida por grandes grupos de mídia e plataformas, mas colocando em risco a pluralidade, a diversidade política e cultural e flertando com o oligopólio velho conhecido no ambiente midiático brasileiro.


Atualmente, os podcasts são uma mídia com acesso crescente, como mostra o relatório DataReportal (Kemp, 2024). O documento identificou, no início de 2024, 187,9 milhões de usuários de internet no Brasil, ferramenta indispensável para escuta dos podcasts, com uma penetração em 86,6% da população, sendo 144 milhões de usuários de redes sociais e 210,3 milhões de telefones celulares com conexão à internet ativos. O relatório aponta que, entre os usuários de internet na faixa etária de 16 a 64 anos, 71,5% ouvem podcast por cerca de 1h por dia (Kemp, 2024). No ano anterior, eram 42,9% da mesma faixa etária como ouvintes semanais de podcast (Kemp, 2023).


Podcast e serviço público de mídia

A intersecção que discutiremos aqui remonta ao início do podcasting, prática impulsionada pelas emissoras de serviço público. Segundo Bonini, as emissoras públicas foram responsáveis pela popularização do podcasting nos Estados Unidos e na Europa, com reflexos na América Latina, com destaque para a participação da rede de rádios públicas norte-americana National Public Radio (NPR).


De acordo com o autor, o podcasting nasceu como a remediação da linguagem desenvolvida pelo rádio público e o rádio comunitário, recuperando vários gêneros da era de ouro, como as séries narrativas, demonstrado pelo sucesso de Serial, de 2014. Ou seja, os podcasts usam estilos bem estabelecidos do rádio documentário, áudio drama e audiolivros para cultivar uma audiência engajada.


Emissoras públicas ao redor do mundo seguem entre as principais produtoras de podcast. Levantamento da Triton Digital aponta que, em setembro de 2024, os dois podcasts mais ouvidos nos EUA eram noticiosos da rede pública: o NPR News Now, um boletim de três minutos atualizado de hora em hora, e o UP First, de dez minutos, com análises sobre as notícias mais importantes do dia. No Canadá, em quinto e sexto lugares estão podcasts noticiosos da CBC: Front Burner e The World this Hour. Já a Australian Broadcasting Corporation ficou em terceiro com o ABC News Top Stories, em sétimo com o Conversations e em 11º com o ABC News Daily.


No Reino Unido, a Edison Research mostrou, ao final de 2023, que a BBC tem seu podcast de notícia em 12º lugar, mas aparece bem colocada no ranking com outros conteúdos narrativos nativos digitais. O Uncanny, que explora fenômenos paranormais, está na 11ª posição. Outro programa de entrevistas com personalidades, que nasceu no rádio, o Desert Island Discs, é o 15º mais ouvido e a novela radiofônica The Archers é a 20ª.


Podcasts jornalísticos da EBC

No sistema público de mídia brasileiro, a Empresa Brasil de Comunicação começou a investir no formato jornalístico do rádio sob demanda apenas em 2024, um atraso que reflete os ataques que a autonomia da empresa sofreu. Em análise dos conteúdos originais disponíveis no site da Radioagência Nacional (https://agenciabrasil.ebc.com.br/radioagencia-nacional/), identificamos nove séries digitais publicadas de fevereiro de 2023 até outubro de 2024, com temas pertinentes, bem apresentados e organizados, com equilíbrio na representação de gênero entre narradores e que podem ser baixados para serem ouvidos a qualquer tempo ou tocados diretamente no site da Radioagência Nacional. 


O mais antigo é o primeiro episódio da série “Histórias Raras - Um cochilo apenas”, de 26 de fevereiro de 2023 e o mais recente é de 31 de outubro de 2024. Tem o título “Crianças Sabidas: Desafio é regular a publicidade infantil na internet”.  Todas as produções aparecem na listagem disponibilizada por meio do banner “Podcasts produzidos pela Radioagência”.


Os podcasts também estão disponíveis nos perfis da Radioagência em plataformas como Spotify e Deezer, mas optamos pela análise do site, com acesso gratuito e livre de publicidade, por este conferir caráter de universalidade, um princípio da mídia de serviço público ao lado do jornalismo diferenciado, segundo Toby Mendel (2011). Além disso, verificamos que as séries não estão completas nos tocadores e também não constam do aplicativo para smartphones Rádios EBC, o que seria natural para conteúdos nativos digitais, tampouco na página principal das Rádios EBC (https://radios.ebc.com.br/).


Dentro do domínio ebc.com.br, os podcasts jornalísticos só estão disponíveis na página da Radioagência Nacional, que fica “escondida” dentro do site da Agência Brasil. Neste, também não há uma chamada convidando o usuário a acessá-los. Identificamos na página da Agência, abaixo e do lado direito, banners de conteúdos que direcionam para a cobertura do Enem, para a Radioagência e para os aplicativos da TV Brasil e das Rádios EBC. Esta mudança ocorreu em setembro, com o lançamento do novo design tanto da Agência Brasil (ABr) quanto da Radioagência Nacional. Anteriormente, não havia nenhuma menção à página da Radioagência ou aos podcasts na capa da ABr


Constatamos, portanto, que não há uma página na internet sob o domínio ebc.com.br que reúna todo o conteúdo elaborado em formato de podcast, jornalístico ou não. Tampouco, o site da EBC indica ao usuário onde encontrar esse conteúdo, como é feito na página da NPR, por exemplo. No site Rádios EBC, que reúne as páginas das nove emissoras radiofônicas da empresa, do lado direito há uma chamada para podcasts. Porém, o recurso divulga apenas versões de programas que foram ao ar para download. Entre eles, o programate infanto-juvenil Perguntar e Pensar, o programa Viva Maria, além dos boletins esportivos O Mundo da Bola e Futebol é Nacional. Não encontramos nesse espaço os podcasts jornalísticos da Radioagência.


Analisando mais profundamente os podcasts jornalísticos nativos digitais, destacamos que a maioria, seis, das nove séries, foram apresentadas por uma ou mais vozes femininas, às vezes, por duas vozes femininas, uma delas com sotaque nordestino, caso da série documental “Golpe de 64: Perdas e Danos”, enfrentando o estereótipo de que a voz masculina passa mais confiança que vigorou por anos no rádio (Zucoloto, 2011). A série Histórias Raras é apresentada por uma voz feminina e uma masculina e apenas três são conduzidos apenas por vozes masculinas. A série Crianças sabidas conta com uma voz feminina adulta e uma infantil, com a entrada de uma voz infantil masculina nos últimos episódios.


Entre os podcasts, encontramos uma variedade importante de temas, incluindo a infância e juventude, na série “Crianças Sabidas”, na qual elas também são entrevistadas, situação pouco frequente na imprensa tradicional e um dos focos das emissoras públicas. Outro tópico pouco abordado pela mídia é a própria história da mídia, recuperada na série sobre a imprensa negra e no episódio Histórias em pauta. A diversidade de temas incorpora ainda assuntos invisibilizados, de modo geral, como doenças raras e a gordofobia. Notamos ainda que a maior parte dos podcasts nativos da Radioagência Nacional trata-se de séries narrativas, produzidas por jornalistas, em formato de documentário. As exceções são Histórias em pautas: grades de janeiro, que foi produzida em formato de entrevista de vídeo, e 50 anos do Hip Hop e Transformando as Artes, séries que são em formato de entrevistas, adaptadas para o formato de podcast.


A seguir, um resumo das produções de podcast da Radioagência Nacional:


- Histórias Raras (https://agenciabrasil.ebc.com.br/radioagencia-nacional/tags/historias-raras), três temporadas com um total de 12 episódios. Apresenta histórias de pessoas que convivem com uma doenças raras.


- Sala de Vacina (https://agenciabrasil.ebc.com.br/radioagencia-nacional/tags/sala-de-vacina), cinco episódios. Traz a história dos 50 anos do Programa Nacional de Vacinação, o PNI.


- 190 anos da Imprensa Negra no Brasil (https://agenciabrasil.ebc.com.br/radioagencia-nacional/tags/imprensa-negra-no-brasil), cinco episódios. Comemora os 190 anos da imprensa negra no Brasil, marcada pelo lançamento do jornal O Mulato ou O Homem de Cor, com veículos do passado e do presente.


- Crianças sabidas (https://agenciabrasil.ebc.com.br/radioagencia-nacional/tags/criancas-sabidas), jornalístico para o público infantil. Apresenta três episódios avulsos, sobre os 75 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos; os 60 anos do Golpe Militar de 1964; e as mudanças climáticas. Uma temporada com cinco episódios sobre eleições; e uma temporada com dois episódios sobre os 10 anos da resolução do Conanda que considerou abusiva a publicidade dirigida às crianças.


- Dos griôs da África para as periferias do mundo: 50 anos de Hip Hop (https://agenciabrasil.ebc.com.br/radioagencia-nacional/tags/50-anos-de-hip-hop), sete episódios. Entrevistas com personalidades do movimento Hip Hop, adaptação de produção da Agência Brasil.


- Histórias em pauta: grades de janeiro (https://agenciabrasil.ebc.com.br/radioagencia-nacional/politica/audio/2024-01/podcast-historias-em-pauta-grades-de-janeiro), um episódio. Conversa com o jornalista da Agência Brasil Alex Rodrigues, o primeiro profissional de comunicação a registrar a depredação dentro do STF, no dia 8 de janeiro de 2023.


- Golpe de 64: Perdas Danos (https://agenciabrasil.ebc.com.br/radioagencia-nacional/tags/golpe-64-perdas-e-danos), sete episódios. Discute o projeto de nação interrompido pelo golpe militar e os problemas sociais crônicos que afetavam o país. Há a promessa de uma segunda temporada.


- TRANsformando as Artes (https://agenciabrasil.ebc.com.br/radioagencia-nacional/tags/transformando-artes), oito episódios. Entrevistas com artistas transgêneros e não-binárias, adaptação de produção da Agência Brasil.


- Grandes Invisíveis: pessoas gordas nas enchentes (https://agenciabrasil.ebc.com.br/radioagencia-nacional/direitos-humanos/audio/2024-06/o-trabalho-voluntario-na-arrecadacao-e-doacao-de-roupas-grandes-no-rs), três episódios. Série sobre o drama das pessoas gordas que perderam roupas nas enchentes.


A publicação desses conteúdos de rádio sob demanda somente a partir de 2023 chama a atenção. Diante da expertise da EBC e de seus empregados no campo radiofônico, o investimento deveria ter sido feito há mais tempo, quando o próprio mercado nacional começou a aquecer, a partir de 2018, quando  grandes empresas de mídia entraram no negócio, a exemplo da Folha de S. Paulo e da Revista Piauí, com os podcasts que marcaram época, como O Presidente da Semana e Foro de Teresina, ou, em 2019, com O Assunto, do Grupo Globo.


No entanto, os tempos eram de incertezas na EBC e de perda de importância, em meio a um cenário de deslegitimação do papel da imprensa e de agendas anti-democráticas no país. Em sua gestão, o presidente Jair Bolsonaro anunciou a intenção de privatizar a empresa e unificou as programações do canal governamental NBR (atual Canal GOV), com a TV Brasil, prejudicando a oferta de conteúdo público. Portanto, a produção de podcasts em 2023 coincide com um novo cenário na EBC, de um novo governo, que retirou a empresa do Plano Nacional de Desestatização e aponta para a valorização de seus conteúdos públicos, dentre os quais os digitais, ainda que tardiamente e com desafios na distribuição.


No momento em que as séries de podcasts começaram a ser produzidas, cabe destacar, que a Radioagência Nacional era liderada por uma profissional da EBC, a jornalista Beatriz Arcoverde, que tem uma trajetória de 26 anos no rádio, sendo a maior parte no rádio público, e uma equipe familiarizada à linguagem radiofônica e digital, com pelo menos 12 anos na EBC, data do último concurso público. Esse potencial profissional dialoga com a tese de Bonini de que a expertise das equipes da NPR foram um dos pilares para o sucesso dos podcasts e poderia ser também na Empresa Brasil de Comunicação.


Destacamos, ainda, a ausência de divulgação dos podcasts jornalísticos, sobretudo, nas redes sociais da Agência Brasil e da EBC no período estudado. A publicidade seria desejável, como parte da estratégia para atrair e fidelizar o público, estimulando a almejada legitimidade e busca de valor pelo sistema público de comunicação. Nos perfis dos veículos nas plataformas,  a empresa divulga, por outro lado, podcasts independentes da Rádio Novelo e que são veiculados na Rádio MEC AM e na rede da Rádio Nacional.



Referências


BONINI, Tiziano. Podcastings as a Hybrid cultural form between old and new media. In: LINDGREN, Mia; LOVIGLIO, Jason (ed.). The Routledge companion to radio and podcast studies. Abingdon, Oxon; New York, NY: Routledge, 2022.


BONINI, Tiziano. A “segunda era” do podcasting: reenquadrando o podcasting como um novo meio digital massivo. Radiofonias – Revista de Estudos em Mídia Sonora, Mariana-MG, v. 11, n. 01, pp. 13-32, jan./abr. 2020. Disponível em: https://periodicos.ufop.br/radiofonias/article/view/4315. Acesso 04 nov. 2024.


EDISON RESEARCH. Top 25 Podcasts in the UK for Q4 2023. Disponível em: https://www.edisonresearch.com/wp-content/uploads/2024/03/EPM-UK-Top-25-Podcasts-Q4-2024.pdf. Acesso em 05 nov. 2024.


KEMP, Simon. DataReportal Digital 2023: Brazil. The essential guide to the latest connected behaviours. Global: We are social e Meltwater, 2023. Disponível em: https://datareportal.com/reports/digital-2023-brazil. Acesso 15/07/24.


KEMP, Simon. DataReportal Digital 2024: Brazil. The essential guide to the latest connected behaviours. Global: We are social e Meltwater, 2024. Disponível em: https://datareportal.com/reports/digital-2024-brazil. Acesso 15/07/24.


KISCHINHEVSKY,  Marcelo. Cultura do podcast - Reconfigurações  do  rádio  expandido. Rio de Janeiro: Ed. Mauad X, 2024.


MENDEL, Toby. Serviço público de radiodifusão: um estudo de direito comparado. Brasília: UNESCO, 2011.


PINHEIRO, E. B. B.; DEL BIANCO, N. R. O rádio brasileiro no contexto da plataformização: experiências, impasses e desafios. Esferas, v. 1, n. 23, p. 56-83, 1 jul. 2022.


TRITON DIGITAL. Podcast Rankers. Disponível em: https://tritonrankers.com/. Acesso em 05 nov. 2024.


ZUCULOTO, Valci R. A história do Rádio Público no Brasil: um resgate pela linha do tempo. In: XXXIV CONGRESSO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO, 2011, Recife. Anais [...]. Recife: Universidade Católica de Pernambuco, 2011. Disponível em: http://www.intercom.org.br/papers/nacionais/2011/resumos/R6-2283-2.pdf.


 
 
 

Comments


Fale com a gente:

emerge@emerge.uff.br

Endereço: 

Rua Prof. Lara Vilela, 126 - São Domingos, Niterói - RJ - Brasil

© 2019 Comunicação e Movimento, EMERGE,  criado por Wix.com

bottom of page