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Sem escolha, trabalhadores mantêm rotina durante pandemia de coronavírus

Atualizado: 24 de abr. de 2020

Trabalhadores essenciais e informais enfrentam o dilema de uma rotina sem proteção para conseguir o sustento da família

Trabalhadores essenciais precisam trabalhar fora de casa l Foto: Bruna Rezende


Por Bruna Rezende e Pâmela Dias


Ana da Silva tem 38 anos e há cinco trabalha como encarregada em uma padaria em Deodoro, na zona norte do Rio. Diante da pandemia de coronavírus, o dono do estabelecimento firmou acordos individuais com cada trabalhador, frente às novas medidas provisórias que fragilizaram as normas trabalhistas. Com 30% de seu salário reduzido, tenta encontrar saídas para manter as necessidades básicas da família em dia e ainda se proteger do vírus. Equipamentos de proteção individual (EPIs), como máscaras, ainda não são cedidos pela empresa na qual trabalha.


Eles se preocupam em ter álcool em gel e luvas, mas não estavam se preocupando com a máscara” - Ana da Silva, encarregada de padaria.

Essa é a situação de milhões de brasileiros que não podem deixar sua rotina de trabalho para atender à determinação dos governos de evitar contato social, sejam eles trabalhadores informais ou com carteira assinada. Para os que possuem registro profissional, a Lei nº 936 possibilita a instituição de acordos entre empregador e empregado, a partir da redução da jornada de trabalho, reajuste salarial e suspensão de contratos por até 60 dias. Nesses casos, o trabalhador deve ser assegurado simultaneamente pelo Governo, através do seguro-desemprego. Contudo, no caso de Ana da Silva, essa determinação ainda não foi cumprida.


Eu não estou recebendo nenhum seguro. O que foi informado para a gente é que o governo vai repor o restante do nosso salário, mas meu patrão não soube dizer quando isso vai acontecer. O nosso sindicato de panificação está ciente em relação ao benefício do governo e eu acredito que a empresa também, mas eles não estão querendo alarmar a gente porque, apesar de nós da equipe entendermos o cenário difícil, muitos não concordaram com os acordos realizados disse ela.


Quanto aos EPIs, a encarregada conta que na padaria onde trabalha estão cedendo apenas álcool em gel e luvas, apesar de ser um estabelecimento que lida com atendimento ao público. Até o momento, ela é a única que faz o uso de máscara, devido a um problema pulmonar que teve recentemente. No entanto, o material é custeado por ela mesma. De acordo com Ana da Silva, a padaria só vai começar a distribuir máscaras aos funcionários a partir desta segunda-feira (20).


Eles se preocupam em ter álcool em gel e luvas, mas não estavam se preocupando com a máscara. Eu conversei com uma das responsáveis e falei que precisávamos usar as máscaras. Ela disse que segunda-feira vai ver essa questão e que vai ser obrigatório o uso de máscara para todos os funcionários relatou.



O risco de contágio dos trabalhadores essenciais


Entre outros funcionários que exercem funções consideradas essenciais, como atendentes de supermercados e farmácias, a situação se repete. Muitos temem perder seus empregos caso reclamem ou denunciem a falta dos materiais de proteção. Uma atendente do supermercado Mundial, em Niterói, que preferiu não ser identificada, contou ao Comunicação em Movimento que o estabelecimento só passou a oferecer álcool em gel nove dias após a Organização Mundial da Saúde (OMS) decretar a pandemia de Covid-19. Até o dia 20 de março, o local ainda não disponibilizava máscaras e luvas aos funcionários, mesmo diante da aglomeração de pessoas que hora a hora se forma na loja.


Trabalhadores essenciais trabalham sem proteção diante da pandemia | Foto: Agência Brasil


Eles só começaram a disponibilizar o álcool gel hoje [20/03]. O balcão passaram a limpar ontem [19/03], mas ainda não disponibilizaram luva nem máscara. Para ir no banheiro, a gente coloca o nome em uma lista e esperar alguém vir para liberar. Não tem quantidade de vezes que pode ir no banheiro, mas demora disse.


Por trabalhar em período integral, sem sistemas de rodízio, os funcionários ainda enfrentam diariamente a lotação dos transportes públicos. De acordo com outras duas atendentes do supermercado, alguns empregados estão tendo gastos extras com passagens e não sabem se a empresa irá ressarci-los. Além disso, até o dia 20 de março nenhuma notificação tinha sido feita à equipe, em relação a possíveis atrasos no batimento de ponto. Com as frotas reduzidas, os ônibus demoram mais a passar e alguns têm desrespeitado o limite de passageiros, gerando aglomeração nos veículos e maior risco de disseminação do vírus.


Até esses dias eu não estava com medo, mas aí eu fiquei em casa assistindo jornal e vi que era grave. Eu tenho pessoas em situação de risco em casa. Minha avó e minha mãe têm problema de coração e são diabéticas. Moramos todas na mesma casa. Elas não estão saindo, mas eu e meu pai continuamos trabalhando fora contou.


“A gente mantém a fé em Deus de que tudo isso vai acabar e vamos voltar com a rotina normal de trabalho, com carteira assinada, apesar de ainda ser ambulante na rua” - José Bezerra, ambulante.

Quando procurados, por meio do Atendimento ao Consumidor (SAC), o supermercado Mundial relatou que informações sobre o contágio do coronavírus e medidas de proteção aos funcionários já haviam sido aplicadas há dias. Questionados sobre quais eram as medidas, responderam que disponibilizam álcool em gel nos balcões e que aumentaram a reposição de produtos nas prateleiras e de sabonete nos banheiros.



O dilema dos trabalhadores informais


A situação dos trabalhadores informais não é diferente. José Bezerra, morador de Japeri, na Baixada Fluminense, é vendedor ambulante e alterna seu serviço entre vender refrigerantes e água no verão e guarda-chuvas durante os dias nublados. Neste período de pandemia do coronavírus, a escolha é difícil: se expor nas ruas da cidade e correr o risco de contrair o vírus ou ficar em casa e não conseguir sustentar a família. Para garantir o bem-estar de todos, o ambulante optou por seguir trabalhando. No entanto, em alguns dias da semana, ele não consegue realizar nenhuma venda, devido à baixa circulação de pessoas nas ruas.


Tá difícil, porque o nosso ganha pão era na rua. A gente sobrevive com o que tem, infelizmente. Graças a Deus eu estava com um dinheirinho guardado e é com o que eu estou conseguindo me manter. Não era muito, mas já dá pra aliviar a barra. Estou com a minha família e a gente vai vivendo dessa forma. A gente mantém a fé em Deus de que tudo isso vai acabar e vamos voltar com a rotina normal de trabalho, com carteira assinada, apesar de ainda ser ambulante na rua disse o morador.


Ambulantes se arriscam nas ruas para levar sustento às famílias l Foto: Agência Brasil


Além da preocupação com a alimentação, José Bezerra ainda enfrenta o drama da escassez de produtos de higiene como água e álcool em gel. De acordo com ele, muitas vezes a água abastecida pela Cedae não chega em boas condições, sendo preciso dispor do pouco que ganha para comprar galões. Quanto ao álcool em gel, a alta procura aumentou os preços e acabou com estoques. Dessa forma, o vendedor tem que racionar o pouco que resta entre os quatro moradores da casa.


*A fim de resguardar a identidade e vínculos empregatícios dos trabalhadores essenciais e informais entrevistados nesta reportagem, foram utilizados nomes fictícios e, em outros casos, não citou-se os nomes.


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