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Uma câmera na mão, uma ideia na cabeça e um longo caminho pela frente

Atualizado: 14 de set. de 2021

O Cinema independente brasileiro para além dos tempos de Pandemia


Foto: Tima Miroshnichenko/ Pexels

por Renato Tavares Mayr


O nascimento do Cinema brasileiro data do final do século XIX, com o registro da Baía de Guanabara em 1898 realizado pelo imigrante italiano Alfonso Segreto, que ao retornar de uma viagem à Europa se satisfez com a paisagem tropical paradisíaca da então capital brasileira. Ao marcar um momento tão específico do tempo em celulóide, além de provavelmente ter sido o primeiro em solo tupiniquim que o tenha feito, é não menos curioso salientar que Segreto tinha apenas 23 anos no momento de seu feito histórico.


Como que estabelecendo um parâmetro para grandes realizações futuras, o ato de suposta ingenuidade de Alfonso parece dar início a uma constante no nosso Cinema: “Limite”, 1931, um gigantesco clássico da história do Cinema mundial, foi realizado por um igualmente jovem Mário Peixoto, em seus 22 anos de idade; grande parte dos realizadores do Cinema Novo, movimento artístico datando da década de 1960, de influência imprescindível e longeva, não havia chegado aos seus trinta quando realizaram suas maiores obras. Desde o surgimento, o Cinema brasileiro é jovem, com alma tanto ingênua quanto insolente.


Após a grande crise dos anos 1990, com a extinção da Embrafilme pelo então governo Collor, a indústria cinematográfica no país vinha crescendo a passos largos, com o aumento tanto da produção quanto de lançamento de títulos, além da participação de filmes nacionais em diversos festivais internacionais cultuados, marcando novamente presença no cenário cultural mundial. Ainda assim, um fantasma antigo continua manchando nosso legado: uma suposta recusa do público brasileiro em consumir seu próprio Cinema. Em entrevista para a publicação Brasil de Fato, o pesquisador Hernani Hefner, atuante na área de conservação da Cinemateca do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, comenta que “... os interesses maiores estão aí desde sempre - sejam os interesse da grande indústria hollywoodiana, sejam os novos interesses do streaming , que não abre espaço para a produção local em pé de igualdade – e o acesso ao mercado continua muito restrito, para não dizer quase mínimo. Tudo isso está aí, mas agora perpassado por uma rejeição radical dessa expressão artística, tomada pelo atual governo como algo que não serviria à população. Tudo isso a partir da própria fala do governo. Não há um consenso geral na nação a respeito disso...”.


Se já não estava clara, com a chegada de um novo período de crise causada pela atual gestão do governo Bolsonaro, em 2020 a Pandemia de SARS COVID-19 atingiu o Brasil com força incomparável. Dentre diversas áreas, o Cinema nacional foi impactado de forma avassaladora, cancelando ou adiando indefinidamente uma miríade de projetos, demitindo inúmeros profissionais e atrasando os planos dos jovens que buscavam por uma porta de entrada no mercado audiovisual.


Gabriel Vieira, 25, é morador de São Gonçalo e graduando em Cinema e Audiovisual pela Universidade Federal Fluminense. Diretor e roteirista do curta “Pequena Jornada até a Praia”, que disputou no último Festival de Cinema Fantástico Cinefantasy pelo Prêmio do Júri. Ao ser perguntado sobre a situação atual da área, foi categórico: “Atualmente, não acho que exista um Cinema, de fato. Ele parece estar em uma espécie de retorno ao mundo dos vivos - todos os filmes que fiz parecem pertencer a uma espécie de umbral, ou mundo dos sonhos. Só criamos com o que temos, e por diversos motivos eu sinto que não temos um Cinema nesse momento. Tiraram nossas ferramentas em diversos níveis e, como qualquer coisa, é preciso ter a energia vital para existir”. Comenta sobre sentir ainda o desejo de realizar toda uma carreira cinematográfica no Brasil, mas o impacto das condições atuais nunca deixa de se fazer sentir.


Bruna Fonseca, 27, responde a mesma pergunta, em meio a risadas nervosas, com um “... muito complicado!” Realizou o curta-metragem “Vó, a Senhora é Lésbica?” em 2018 e, terminado o percurso de divulgação em diversos Festivais, tanto nacionais quanto internacionais, culminou com a venda dos direitos de exibição do filme para o Canal Brasil. Seu projeto seguinte, “Espelho Turvo”, foi agraciado com o 2º Edital de Fomento ao Audiovisual de Niterói, em 2019. Com o desgaste da área na Pandemia, os recursos destinados ao projeto foram repassados somente em 2021, e finalmente a produção retoma seu curso, ainda que a passos curtos.


O Audiovisual sempre foi frágil no Brasil, dependente de tanto subsídio estatal, mas agora podemos ver o quão frágil ele realmente é.

"É difícil não ter dúvidas sobre a nossa atuação na área; eu mesma tenho dúvidas se deveria seguir no Cinema, porque apesar de ter tido tantas oportunidades, me formei pela UFF e etc… É muito desencorajador ver todos os cortes sendo cometidos no Audiovisual. É, sim, um ataque à Cultura. Claro que passamos por uma Pandemia, que dificulta tudo muito mais, mas além disso existe um problema maior e mais antigo, de corte de verbas, Cinemateca sucateada. É um cenário triste, mas também tenho esperanças que o mercado aqueça no futuro, pois potencial nós temos.”, desabafa Bruna.


“Espelho Turvo” segue em pré-produção, com previsão para início das filmagens em meados de 2022, na região oceânica de Niterói. Gabriel Vieira continua com a produção de diversos projetos, envoltos em mistério. E o Cinema no Brasil continua sua longa caminhada, em busca de novos horizontes e desafios.


 
 
 

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