Viajantes de quatro paredes (e muitas telas)
- commovimentouff
- 15 de jul. de 2021
- 3 min de leitura
Atualizado: 3 de ago. de 2021
As mudanças trazidas pelas redes sociais ao mercado literário independente brasileiro

por Renato Tavares Mayr
Em pouco tempo, diversas áreas puderam sentir a mudança trazida pelas conquistas tecnológicas e pelo crescente esforço da globalização na virada do século XX. A distribuição de informações e mídias se proliferou em esferas nunca sonhadas. E poucas áreas servem tanto como parâmetro dessas mudanças como o mercado literário.
Há anos enfrentando uma acentuada queda na compra de originais em livrarias físicas, graças à pandemia de Covid-19, o comércio de livros e periódicos foi um dos muitos que encarou a aceleração. Em tempos normais esse processo levaria anos para se concretizar, mas com a pandemia isso ocorreu em meses. Em uma matéria de maio de 2021, a Folha de São Paulo constatou que, no Brasil, por mais que as grandes editoras reportem queda no faturamento de 13% ao longo do ano de 2020, a venda de livros digitais em livrarias virtuais cresceu 84% no mesmo período. É inegável que, hoje, a população tem mais acesso e anseio pela leitura, já que, além dos intensos processos de conexão causados pelas redes sociais, bibliotecas inteiras agora cabem dentro de um pequeno aparelho, no bolso. E muitos rapidamente perceberam as possibilidades que este mundo conectado trouxe para o mercado.
Zoe Yruk, 28 anos, moradora de Cotia, São Paulo, é leitora de longa data. Passou a juventude colecionando histórias em quadrinhos e fazendo visitas constantes a bibliotecas. Mesmo após anos, focando na sua formação em Secretariado, a paixão pelos livros não deu trégua. Começou há dois anos com o perfil “Zoe Literária” no Instagram, onde compartilha experiências de leitura, resenhas e indicações para mais de 1.800 inscritos. “Nunca fui uma entusiasta das redes sociais. Por timidez optei por me manter afastada, até o dia que descobri um espaço rico e vasto para amantes da leitura compartilharem experiências. Na hora, quis fazer parte dessa comunidade.” nos revela.
Infelizmente, não demorou para que Zoe encontrasse um problema constante: um aparente menosprezo pela literatura brasileira. “Percebi o quanto os livros nacionais eram desvalorizados. Com a vontade de lutar contra esse preconceito, publiquei algumas entrevistas e dicas de leitura, mas era preciso fazer mais, alcançar mais pessoas. Então criei o Projeto Literazil, em maio de 2020”. O projeto consiste em difundir o trabalho de escritores independentes da literatura brasileira contemporânea. O perfil, com quase dois mil seguidores, promove divulgações diárias de obras e autores dos mais diversos gêneros, em publicações que vão desde a apresentação do conteúdo à listas de títulos de um certo nicho.
“Lutar pela valorização da literatura nacional é árduo. Grande parte dos brasileiros desacreditam do potencial dos nossos autores e sinto que estamos nadando contra a correnteza. Já pensei em desistir, mas há uma imensa alegria em produzir conteúdo, acreditando nos sonhos de cada autor, que me faz sentir realizada", declara Yruk.
Um dos autores que fizeram parte do Projeto Literazil foi Márcio Pacheco, com seu livro de Fantasia e Ficção Científica “O Senhor do Tempo”, publicado em 2019 pela Lura Editorial. Outro leitor de carteirinha, desde jovem acompanhando as tramas misteriosas de Arthur Conan Doyle e Agatha Christie, decidiu apostar em seu grande sonho e contou com as redes sociais para realizá-lo: “as redes tiveram enorme relevância na minha vida de autor, seja na parte de pesquisa como na construção da minha presença digital, que ajudou a construir um contato mais rápido com o meu público, além da conquista de leitores que me acompanham durante minha jornada. Considero que, hoje, é impossível evoluir no mercado se escondendo nas sombras”.
Perguntado sobre as dificuldades que encontra nesse novo meio de expor a si e a suas obras, Márcio comenta: “É exaustivo. Meu grande desafio é manter uma constância nos projetos que me envolvo, e às vezes é preciso dizer não para algumas oportunidades, por mais atraentes que pareçam. Mas nem tudo é "Terra Arrasada". Fiz amizades que certamente levarei para a vida toda, fora o 'feedback' dos leitores, que realmente vale mais do que qualquer fama ou dinheiro. Saber que eu fiz parte de um fragmento de felicidade na vida das pessoas é algo que transcende todas as minhas expectativas”.
Surpreendendo a todos, o mercado editorial brasileiro dá indícios de uma verdadeira resistência às dificuldades trazidas pela Pandemia de COVID-19. Em matéria para o ‘blog’ do Jornal O Globo, Marta Szpacenkopf relata um aumento de 46% em volume de vendas de livros, junto de um crescimento de 37% no faturamento em comparação com o mesmo período de 2020, muito graças à explosão na adesão do comércio eletrônico. Envolvidas nesta aparente retomada estão as realizações de grandes sonhadores e a sobrevivência de uma das formas mais antigas e democráticas de difusão de cultura e conhecimento. Se estes bons resultados são indícios de um último respiro ou de uma nova era de ouro, apenas o tempo dirá.
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